«— Para um pai a perda de um filho é a pior tragédia que um ser humano pode viver. Foi por essa razão que demorou tanto tempo a escrever sobre a dor de Lincoln?
— Achei esta história muito bonita, porque reside nela um grande dilema: nascemos para amar, mas tudo o que amamos — incluindo nós próprios — é temporário. Neste caso, Lincoln teve que enfrentar este dilema quando tanta gente contava com a sua liderança.
— Até “Lincoln no Bardo” apenas tinha escrito contos. Só escreveu este romance quando teve tempo, dinheiro, espaço para o fazer?
— Não, na verdade o que eu queria mesmo fazer era escrever esta história em particular. Quando comecei a escrever percebi que o tamanho do romance era o que melhor se adequava à história. Todas as histórias têm nelas inscrito uma espécie de ADN e uma parte do trabalho do escritor é descobrir qual o tamanho que a história requer.
(…)
— Porque escolheu uma estrutura polifónica?
— Sinceramente, deparei-me com ela e gostei. E isto, para mim, é um princípio artístico muito importante. Se formos fiéis ao nosso próprio interesse e ao que nos entusiasma atingimos maior profundidade e complexidade. O escritor é uma espécie de máquina de “procurar energia”. Tem de perguntar o que lhe dá prazer, interessa, anima. É aí que se encontra o livro mais profundo.
— O livro é muito trágico, mas há uma intenção clara de não ser demasiado sério o tempo todo. O humor é intencional?
— Sim. A vida é ao mesmo tempo, e a cada instante, engraçada e trágica. Nós apenas fazemos essa distinção, comédia versus tragédia, para facilitar a categorização das coisas. Tenho de discordar um pouco da afirmação de que o livro é “muito trágico”. Um grande número de fantasmas são libertados através das ações positivas de Willie, de Lincoln e dos parceiros, e eu acho isso esperançoso. À medida que ia escrevendo, mantive sempre presente uma passagem dos evangelhos gnósticos, onde Jesus diz qualquer coisa como: “Se trouxeres à tona o que está dentro de ti, o que for trazido à tona salvar-te-á. Se não trouxeres à tona o que está dentro de ti, o que não for trazido à tona destruir-te-á.” Alguns dos fantasmas trazem, de facto, à tona o que têm dentro de si, e isso salva-os; o que, para mim, é algo esperançoso.» [Entrevista de Cristina Margato, Expresso, E, 20/1/2018]
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