3.11.17

Sobre O Que os Cegos Estão Sonhando?, de Noemi Jaffe




«O que se pode dizer de novo sobre o Holocausto, Auschwitz? “Desorganizar a língua” como fez Paul Celan? Ir repetindo as palavras, Holocausto, Auschwitz até serem apenas um som? “Um dos problemas da repetição da palavra Auschwitz é o esvaziamento do significado. Digo no livro que sei que daqui a algumas décadas Auschwitz vai ser igual ao Peloponeso. Não vai significar nada, vai ser uma palavra perdida na História. Isso é doloroso.” 
O olhar de Noemi Jaffe (n. São Paulo, 1962) baixa e aterra na pedra da mesa onde se apoia. Mármore branco onde incide a luz verde do candeeiro. Lá fora, há a luz do sol num Chiado de Outono. “Hoje, quando falo desse nome a pessoas mais jovens, elas reagem como se nunca tivessem ouvido falar; vai ser só mais um dado perdido nos livros de História. É uma metáfora. Da II Guerra, do nazismo, de todos os campos de concentração.”
Jaffe escreveu um livro a partir do diário que a mãe, então a jovem de 19 anos Lili Stern, escreveu na Suécia, pouco depois de ter sido libertada dos campos por onde passara um ano enquanto prisioneira judia. Mas a ensaísta, crítica e professora de Literatura Brasileira não se limita a reproduzir a escrita da mãe. Além do testemunho diarístico, elegeu palavras-chave através das quais disseca a experiência que não foi a sua e problematiza-a num volume que cruza géneros e a que chama “ensaio literário”. Foi publicado em Portugal pela Relógio d’Água sob o título O Que os Cegos Estão Sonhando? Nesse livro, Lili é a mãe e Noemi a filha. Uma e outra chegaram a esse título assim, como Noemi escreve: “Um dia, ao telefone, ela, que gosta de ficar imaginando situações, perguntou à filha: ‘Filha, o que os cegos estão sonhando?’ De início a filha não entendeu. Parecia que se tratava de cegos específicos numa situação específica e que aqueles cegos estariam sonhando alguma coisa naquele instante. Ela acrescentou: ‘Sim! O que eles estão sonhando, se eles não enxergam? Como podem ver imagens nos sonhos?’ Então a filha entendeu e se lembrou que a mãe confunde os usos do presente simples e do presente contínuo. ‘O que os cegos estão sonhando?’, na verdade, é ‘ Com o que os cegos sonham?’. Mas uma forma inesperada e subitamente bela (...) sintetiza exactamente a forma de estar no mundo da mãe (...), em que a percepção das coisas importa mais do que as coisas mesmo.” Noemi fala deste processo de decisão como de um poema na conversa que temos em Lisboa.» [Isabel Lucas com Noemi Jaffe, ípsilon, Público, 3/11/2017. Texto completo em https://www.publico.pt/2017/11/02/culturaipsilon/noticia/a-humanidade-e-sobrevivente-de-auschwitz-como-dizer-isto-1790896?page=%2F&pos=16&b=stories_b ]

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