«O
presente volume de Ensaios Escolhidos
pela Relógio D’Água é a mais extensa antologia de textos de George Orwell até
agora publicada em Portugal. São 37 ensaios e/ou artigos, ordenados
cronologicamente e dispensando praticamente notas ou qualquer outro comentário
(exceptuando a data da publicação original). Foram escritos entre 1936 e 1949,
sendo os anos de 1945 e 1946 os mais extensamente representados. Há textos com
duas ou três páginas e outros que ultrapassam a vintena e que têm sido por
vezes publicados autonomamente. É o caso de Recordações
da Guerra Civil Espanhola. Retomando, em 1942/3, a memória de
acontecimentos que haviam sido decisivos na sua experiência ideológica e
política, Orwell continua a tentar demolir o cinismo e a cobardia de muitos dos
seus pares (…).
Alguns
assuntos são abordados repetidamente, por vezes com intervalos de vários anos.
Ou por razões conjunturais (Gandhi, por exemplo), ou por obsessões particulares
(Swift, Shakespeare, etc.). Em 1949, e a propósito da publicação de uma
autobiografia do líder indiano, “impressionante pela vulgaridade de muito do
seu conteúdo”, Orwell ironiza sobre os malefícios da virtude em política: “Sem
dúvida que o álcool, o tabaco e por aí fora são coisas que um santo deve
evitar, mas também a santidade é algo que devemos evitar.” Seis anos antes,
escrevera – e refiro-me a “Gandhi num Bairro Aristocrático” – um dos textos
mais sarcásticos e mais certeiros deste volume, a propósito de uma figura infelizmente
perene: a do “intelectual descontente” e (comodamente) avençado. Um texto que
é, verdadeiramente, de antologia. Se “Política versus Literatura” (1946) é uma
extensa e brilhante análise de Viagens de
Gulliver, a entrevista imaginária com Swift difundida em 1942 pela BBC, é
um corrosivo resumo da radical descrença do grande satirista anglo-irlandês na vermicular
espécie humana.»
[Mário
Santos, Ípsilon, 26/08/2016]
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