«Em Orlando,
Woolf procura destruir todas
as fronteiras que nos habituámos a prezar ao narrar a vida de uma personagem que,
tal como Sasha, se esgueira por debaixo do cordão e, como se nada fosse, passa
de um sexo para o outro ou do século XVI para o século XX, deixando-nos
desconfortáveis ao vermos ruir a construção do mundo que fizéramos, cujos muros
julgávamos indestrutíveis.
Virginia
Woolf parece partir sempre de uma posição dogmática forte para depois a
desconstruir totalmente. O romance abre com o jovem Orlando a golpear com uma
espada uma cabeça de mouro suspensa das vigas do telhado de sua casa, sonhando
com expedições futuras pelo Norte de África, para assim se afirmar desde logo a
virilidade do protagonista da história. A escritora não deixa, aliás, margem
para qualquer especulação ou ambiguidade ao começar o romance precisamente
desta forma: “Ele — pois não poderia haver dúvidas quanto ao seu sexo, embora a
moda da época contribuísse até certo ponto para o dissimular” (página 10). No
entanto, poucas páginas depois, o mesmo Orlando terminará um noivado com uma
rapariga por esta ter chicoteado à sua frente um cão, fazendo
nascer à nossa frente uma certa sensibilidade, certamente feminina, de que até
aí não suspeitávamos e que nos impede de compreender a verdadeira natureza do
jovem.» [João Pedro Vala, Observador, 3-6-2016]
Sem comentários:
Enviar um comentário