«A literatura já tratou todos
estes temas, mas Ferrante parecia trazer uma linguagem nova para dizer tudo
isto. Lidas hoje, estas ficções publicadas em Portugal na primavera de 2014 com
o título Crónicas do Mal de Amor parecem um laboratório para o que aí
viria. Ressurgem com novo fôlego na saga que começou em 2011, com a publicação
em italiano de A Amiga Genial, início de percurso de Lenù e Lila, de um
laborioso trabalho que mistura o que há de mais comezinho na existência com as
grandes questões que sempre ocuparam os romancistas: amor, morte, traição,
vingança, identidade. James Wood escreveu assim sobre o trabalho de Ferrante: “o material visitado e revisitado pelos primeiros romances é
íntimo e muitas vezes surpreendentemente cândido: maus-tratos a crianças,
divórcio, maternidade, querer e não querer filhos, o tédio do sexo, as repulsas
do corpo, a luta desesperada da narradora para conservar uma identidade em
coesão com um casamento tradicional e com as sérias responsabilidades de criar
os filhos. Os romances apresentam-se […]
como anamneses, cheios de raiva ardente, lapso, malogro e um ténue sucesso psíquico.
Mas trata-se de anamneses ficcionais. Compreende-se que Ferrante não tem
qualquer interesse em juntar a sua privacidade à pira dos romances.”
O texto de Wood, relembre-se, é de 2013, um ano depois de começar a
publicação em inglês da série de Nápoles, um ano depois de o fenómeno ter
disparado, muito graças a este mesmo texto. Cair nas graças de Wood é meio
caminho e não faltaram vozes a dizer que era só isso: Wood a criar mais um “caso
sério”. Mas terá Wood tanto poder? Num artigo mais recente publicado no Guardian,
a jornalista Deborah Orr dizia simplesmente isto: “Não conhecemos Elena
Ferrante — é exatamente por isso que o seu sucesso é tão maravilhoso.” Nada
disto é, por si só, suficiente para explicar por que se gosta de Elena Ferrante
e se sente como familiar o que ela escreve mesmo que a milhas da realidade de
cada um dos leitores. Como se explicará não podendo explicar-se, para já, pela
biografia da autora?» [Isabel Lucas, Ler, Inverno de 2015]
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