«Não venho aqui
como parceira mas como íntima, como alguém mais ligado pelo amor do que por
ambições identitárias. Com Luís de Camões passeio em Sintra, enquanto ele
espera o jovem rei que anda pelos bosques, enfeitiçado, já um pouco
ensandecido. E a ligação aos meus contemporâneos, Sophia e Saramago, Eduardo
Lourenço, Maria Velho da Costa, Mia Couto, feita de encantamento e
aprendizagem, toca-me infantilmente o coração quando me traz afinidades, uma
flor de frangipani que esvoaça num jardim de Maputo, as palavras que não
partiram com quem já partiu, uma tão querida voz ao telefone, uma carta
enfeitada de papoulas. Estou com eles, não entre eles. E assim estou bem. (…)
O nosso mundo
de sobreviventes está seguro por laços muitos finos. Eu vejo os fios que unem
os textos nas diversas versões do português, leves fios resistentes e aplicados
a construirem uma teia que não rasgue. Quando o angolano Ondjaki dedica um
poema ao brasileiro Manoel de Barros, quando Mia Couto reconhece a influência
que teve Guimarães Rosa na sua escrita transfiguradora e transfigurada pelas
africanas narrativas do seu povo; quando a portuguesa Maria Gabriela Llansol
considera Lispector «uma irmã inteiramente dispersa no nevoeiro», vemos a
língua portuguesa a ocupar – não como o invasor ocupa a terra, mas como o
sangue ocupa o coração – um espaço livre, um sítio para viver, uma comunidade
de diferenças elástica, simbiótica e altiva. Esta é a ditosa língua, minha
amada.
Eu dedico
este prémio a uma entidade que é para mim pessoalíssima, à Grécia, cuja voz
ainda paira sobre as nossas mais preciosas palavras, entre as quais, quase
intacta, a poesia. Dedico à Grécia, sem a qual não teríamos aprendido a beleza,
sem a qual não teríamos nada ou, no dizer da Doutora Maria Helena da Rocha
Pereira, “não seríamos nada”.
ζουν Ελλάδα,
zoun Elláda, viva a Grécia.» [7 de Julho de 2015]
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