«A
escritora norte-americana Flannery O’Connor (Savannah, Geórgia, 1925-64)
manteve o “diário de preces”, que deu origem a este livro, na Universidade de
Iowa, onde ingressou em 1946 e onde frequentaria o Iowa Writers’ Workshop. O
motivo principal do diário, agora editado pela Relógio D’Água com tradução de
Paulo Faria e prefácio de Pedro Mexia, são as aspirações literárias da jovem
Flannery, à época com 21 anos. A mundanidade do seu motivo desperta em Flannery
uma forma do pudor da qual as preces são ou a penitência, ou o testemunho.
Reservadas
as devidas distâncias, as preces de Flannery são análogas a epístolas de um
aspirante a um escritor honorável que não chega a responder-lhe. Perante tal
figura, Flannery envergonha-se do ridículo de desejar vir a ser alguém. O
ridículo não parece estar no conteúdo da aspiração, uma vez que desejar ser escritora
pode revelar-se a forma que lhe coube de fazer da sua vocação um instrumento de
Deus, radicando, pelo contrário, na mesquinhez inerente a qualquer súplica.
Reduzidos a preces e a escrever, não nos podemos eximir de, no decurso das
nossas súplicas, incorrermos nas falhas de que elas aspiram ser a purga.»
[Djaimilia Pereira de Almeida, Observador, 29-3-2015]
Sem comentários:
Enviar um comentário