Na Ler de Março, José Mário Silva escreve sobre Lydia Davis,
uma das suas autoras de referência.
«Nunca sabemos o que esperar, quando chegamos a uma página de Lydia.
Em Não Posso nem Quero, como nos livros anteriores, há de tudo:
histórias reversíveis, ideias subliminares, situações um pouco embaraçosas,
bastante embaraçosas ou muitíssimo embaraçosas; um texto que simula a linguagem
do spam eletrónico; toda a sorte de mulheres solitárias, seja diante de
um peixe no restaurante, ou a querer guardar a bagagem num cacifo durante uma
viagem no estrangeiro, ou aflitas com as contingências de um voo atribulado que
pode bem ser o último. Há também inventários, entre os quais um que enumera as
estratégias para ler “o mais depressa possível” números antigos do Times
Literary Supplement, outro que é uma divertida coleção de queixumes (“…
Sentaram-nos demasiado perto da cozinha. Há uma fila enorme no balcão das
encomendas. Tenho frio enquanto espero no carro. O punho da minha camisola está
húmido. A pressão do duche é fraca. Tenho fome…”), outro que estabelece o
historial de uma gata (com todas as suas características e idiossincrasias), e
ainda um outro que inventa obituários banais de gente banal, deixando para trás
feitos banais. (…) Quando se pensa em Lydia Davis, pensa-se em minimalismo,
audácia experimental, ficções não-lineares. Ou seja, numa sabotagem sistemática
dos esquemas habituais das histórias com princípio, meio e fim. O que não quer
dizer que a escritora não domine igualmente as formas narrativas tradicionais.
(…) Diga-se, a propósito, que esta escrita pode parecer fácil de traduzir, mas
não é. (…) Forçoso se torna por isso louvar, na edição da Relógio D’Água, o
excelente trabalho de Inês Dias (…).»
Sem comentários:
Enviar um comentário