«Basta observar o modo como Rachel Kushner articula a energia
centrípeta e umbiguista da cena artística de Nova Iorque (cada indivíduo mais
preocupado em contar a sua própria história do que em ouvir os outros) com o
movimento centrífugo da revolta política em Itália para se perceber que se
trata de uma grande escritora. A qualidade da prosa, porém, eleva-a a um
patamar ainda mais alto. Sobre uma certa galerista, interessada em Sandro (no
seu trabalho e não só), ficamos a saber que se veste “como se estivesse permanentemente
em 1962, sempre de preto e cabelo puxado para cima”. Kushner capta o ritmo dos
diálogos frívolos, a atmosfera cheia de fumo das noites de boémia, a vibração
urbana e a beleza do néon (“joalharia elétrica no corpo esbelto da cidade”). E
as suas descrições de paisagens são simplesmente fabulosas: o deserto branco
devolve o “clarão do sol como a lâmpada de uma faca pousada”; por cima, o azul
cru “parecia cortado de uma bainha interior do céu”. Quantos escritores
americanos contemporâneos escrevem com tanto rasgo e tanta verve? Muito poucos.
Logo no início, há uma cena que não deixa margem para dúvidas
quando ao talento da autora.» [José Mário Silva, Expresso, Atual, 1-3-14]
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