Rogério Casanova é um dos mais talentosos críticos da
sua geração. Ajudou-nos a ampliar a leitura de autores como Martin Amis, Thomas
Pynchon, Saul Bellow, Jonathan Franzen, Houellebecq e Bolaño. Foi o primeiro a
falar-nos de Tom McCarthy, David Foster Wallace, Geoff Dyer e muitos outros.
Fê-lo com ironia, estabelecendo inesperadas conexões e sendo sempre
incompatível com a rotina.
Em troca disso, tivemos apenas de lhe perdoar fazer-nos
sentir desactualizados, alguns anglicismos e uma fase de excessivo entusiasmo
jameswoodiano.
Foi por isso com surpresa que li o que sobre o seu
livro Trabalhos de Casa é escrito no ípsilon por um crítico não
identificado. Este assume que a sua opinião é «completamente subjectiva» e que
o livro de Casanova «peca por não ser tão pessoal como deveria, por haver menos
Casanova do que o desejável». Acrescenta, citando Rogério Casanova, que «a boa
crítica nasce de um bom leitor e bom escritor», que terão falhado em alguns textos
(outros são elogiados).
Ou seja, o crítico não só assume uma completa
subjectividade como recomenda a Casanova que seja mais subjectivo.
Não é fácil falar de uma crítica quando, como é o caso,
esta atinge uma espécie de grau zero de estilo e conceitos.
O fragmento que vai de «Medindo as críticas de
Casanova» até «Trabalhos de Casa», na coluna seguinte, tem 54 linhas sem
um ponto final e seis frases entre parêntesis. Ou seria um fragmento à Proust
ou um desastre. É um desastre.
Além disso, um «fim de contas completamente subjectivo»
faz tábua rasa das mais diferentes correntes críticas que se sucederam no
passado e dos conceitos que foram deixando. Contributos que vão desde os de
Samuel Johnson a Pritchett, Steiner e James Wood, passando por Barthes ou os
textos de Benjamin sobre Goethe, Kafka ou Baudelaire, não parecem fazer parte
do horizonte de alguém que escolhe como título do seu artigo «A Boa Crítica».
Mesmo a baudelairiana fórmula de que a crítica deve ser
absolutamente apaixonada nunca foi uma defesa de reacções emocionais em estado
de ignorância literária. São os conceitos inerentes à crítica que permitem a
estratificação de valores, considerar hoje que Henry James e Fernando Pessoa
são melhores escritores que Du Maurier ou Júlio Dantas, apesar de a maior parte
dos críticos «subjectivistas» das respectivas épocas terem pensado o contrário.
Um crítico não é apenas um bom leitor, tem de ter os conhecimentos que permitam
situar, relacionar e interpretar as obras.
Que o crítico anónimo (falha que não é provavelmente
sua) não tenha sequer compreendido a ironia contida no título Trabalhos de
Casa só pode ser considerado coerente com a «completa» subjectividade,
neste caso sinónimo de ausência de pensamento crítico.
Francisco Vale
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