«Soren Kierkegaard (1813-1855) não é
daqueles filósofos de quem se espera uma teoria completa e arrumada sobre um
qualquer magno assunto. Sartre dizia mesmo que não era filósofo, antes um
cristão que recusava sistemas e afirmava a irredutibilidade do vivido. A
subjetividade variável tem reflexos no dispositivo textual, com a utilização de
pseudónimos e a sobreposição de diferentes registos, numa espécie de ronda
permanente em torno das questões. Esse desconstrucionismo aplicado torna-o
inconfundivelmente moderno. Reconhecido como um dos pais do existencialismo, a
qualidade imaginativa do seu estilo, a oposição à autoridade religiosa e a própria
coincidência de obras de diversos géneros no seu corpus — diários, ensaios,
panfletos, etc. — também contribuem para o tornar apelativo.» [Luís M. Faria, Atual,
19-01-2013]
«É costume
dizer-se que o ócio é uma raiz de todo o mal. Para impedir o mal, recomenda-se trabalho.
Entretanto, vê-se facilmente,
tanto pela temida ocasião como pelo remédio recomendado, que toda esta observação
é de extracção muito plebeia. O ócio, nessa sua qualidade, não está de todo na
raiz do mal, pelo contrário, constitui uma vida verdadeiramente divina, quando
não nos entediamos. (…)
O tédio é o
panteísmo demoníaco. Ao permanecer nele enquanto tal, então, o tédio torna-se o
mal; ao invés, assim que é relevado, então, é verdadeiro; mas é relevado apenas
através do divertir-se — ergo o homem deve divertir-se. Afirmar que é
relevado por via do trabalho denota ausência de clareza; pois o ócio pode
seguramente ser anulado pelo trabalho, dado que este é o seu contrário, mas o tédio
não pode, o que até também se verifica no facto de os trabalhadores mais
diligentes, os insectos mais zumbidores no seu cioso zunido, serem os mais
entediantes de todos; e quando não se entediam, conclui-se que não fazem
qualquer ideia do que é o tédio; mas, então, o tédio não é relevado.» [Soren
Kierkegaard, in Ou—Ou. Um Fragmento de Vida, Primeira Parte]
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