James Joyce
encontrou Nora Barnacle em 1904 em Dublin quando ela era ainda uma jovem de
cabelos ruivos e ondulados e andar altivo. Joyce era então um jovem tímido que
passeava as suas ambições literárias em longos passeios solitários pela cidade.
Estas cartas
de Joyce tornaram-se famosas há duas décadas pela crua descrição das suas
fantasias sexuais, mas são muito mais do que isso.
Nora
desempenhou um papel essencial na vida de Joyce e na criação das personagens
femininas. O próprio Joyce reconhece numa das cartas que o corpo «musical e
estranho e perfumado» de Gretta Conroy em «Os Mortos» é inspirado em Nora, que
reaparece na Bertha de Exílios, na Molly Bloom de Ulisses, e até
na Anna Livia de Finnegans Wake.
As cartas a
Nora concentram-se em dois grandes períodos. O primeiro é em 1904, ano do seu
encontro. É a emocionante crónica do surgimento de uma paixão amorosa, ao mesmo
tempo romântica e erótica, atravessada pelas dúvidas e os ciúmes de Joyce.
Outro período
tem começo em Julho de 1909, quando Joyce está em Dublin com o filho e Nora
permanece em Trieste, onde o casal se havia fixado. Esta separação e a provável
intriga de um amigo do escritor vão provocar uma profunda crise em Joyce, cujos
ciúmes se intensificam. É neste período que as cartas oscilam entre o céu e o
inferno, o ciúme e a entrega, o romântico e o obsceno.
«Por vezes fixo uma data, talvez até ao
fim da minha vida. E quando chegar um dia antes desse dia, posso lembrar-me
sempre de um facto que se lhe prende. Não importa que seja um aniversário. Pode
não passar de um gesto, de um rosto que para sempre ficou perdido na distância
não só do tempo como de uma rua, de uma sala de museu, de uma loja. Durou
segundos, mas traz o traço, a sombra, a luminosidade capaz de se prender pelo
que houver de longo na minha vida. Irrompe no exacto dia do aniversário da sua
aparição, ou andará próximo desse instante. Nem sempre é um rosto, um corpo, ou
um melro morto à beira de um passeio. Um objecto pode ser o senhor desse domínio
festivo. Mesmo a morte de um melro ou de alguém amado transporta consigo um
sentido de festa, de coisa que se comemora no mais secreto. Neste dia assalta-me
sempre o tapete de Samarcanda. Como se descesse no meu pátio vindo dos céus do
Uzbequistão.» [ 8 de outubro de 2003 ]
O
Próximo Outono é um diário escrito ao
longo de um ano que terminou em outubro de 2004.
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