A melhor homenagem que um editor pode prestar a João Bénard da Costa é dizer que gostaria de o ter editado (a sua obra está de resto em belos livros da Assírio & Alvim, Fundação Gulbenkian e Cinemateca Portuguesa).
De João Bénard da Costa a Relógio D’Água publicou apenas um posfácio a uma antologia de Cecília Meireles, poetisa que ele admirava, um texto saído inicialmente no Público a 9 de Novembro de 2001. Nele, o autor de Como o Cinema Era Belo cita, a propósito do centenário de nascimento e do 37.º aniversário da morte de Cecília Meireles, um poema que poderemos agora dedicar ao próprio João Bénard da Costa.
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.
Eu deixo o aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando em mim.
E por perder-me é que me vão lembrando,
Por desfolhar-me é que não tenho fim.
João Bénard da Costa foi um intelectual católico e humanista, um cinéfilo e um homem da acção.
O Tempo e o Modo, que ajudou a criar tinha como subtítulo Revista de Pensamento e Acção. Mesmo a sua visão de cinema, expressa no livro Filmes da Minha Vida, os Meus Filmes da Vida, mostra que para ele o cinema tinha a ver com tudo o que fazia. Na Gulbenkian, na segunda metade dos anos 70, não se limitou a organizar ciclos de cinema, acompanhados com a distribuição das suas já míticas folhas e intervenções. Criou um Centro que permitiu a realizadores como Alberto Seixas Santos e António-Pedro Vasconcelos fazer os seus primeiros filmes.
Ainda no campo da acção transformou a Cinemateca numa das melhores da Europa em termos de programação e arquivo.
A sua grande decepção foi na política, tendo partilhado com António Alçada Baptista as ilusões na «abertura marcelista».
O Tempo e o Modo foi um dos projectos mais importantes em que João Bénard da Costa participou. A revista foi fundada em finais de Janeiro de 1963 e nela confluíram, em entradas sucessivas, elementos oriundos da Juventude Universitária Católica e do Centro Cultural de Cinema e socialistas saídos do MUD, aliados numa intervenção que contestava o regime ao mesmo tempo que por ele era tolerada (o grupo excluía elementos ligados ao PCP ou à extrema-esquerda, que na sua versão maoista acabaria por influenciar a revista ou, pelo menos, por se apropriar do seu título).
A matriz do projecto foi a editora Moraes, criada alguns anos antes – no ambiente do pós-guerra europeu e da campanha eleitoral de Humberto Delgado – por António Alçada Baptista e Pedro Tamen. O primeiro livro que publicou foi O Personalismo de Emmanuel Mounier, em tradução de João Bénard da Costa, cuja tese de licenciatura em Letras fora sobre o fundador da revista Esprit. Uma sua colecção, Círculo do Humanismo Cristão, prefigurou o que viria a ser O Tempo e o Modo de que António Alçada Baptista seria o director, João Bénard da Costa chefe de redacção e, um pouco mais tarde, Vasco Pulido Valente o chefe de redacção adjunto.
A partir de 1966, João Bénard da Costa dedicou-se também à Associação para a Liberdade da Cultura.
Na antologia de O Tempo e o Modo, publicado em Dezembro de 2003 pela Fundação Gulbenkian e o CNC (acompanhada de um CD, com todos os números da revista), há referência a vários textos de João Bénard da Costa, que ilustram o seu modo de encarar o cinema, a religião e a filosofia. É o caso de «O Cinema É Um Fenómeno Idealista», «Mounier e O Tempo e o Modo», «A Igreja e o Fim dos Constantinismos», «Os Silêncios do Vaticano» e o texto de abertura que fez para o caderno «Deus o Que É?».
Alguns dos colaboradores da revista acabaram por ter incursões mais ou menos prolongadas na vida política e económica (casos de Jorge Sampaio, Vasco Pulido Valente, José Cutileiro, Mário Soares, Luís Moita, Jaime Gama, Luís Salgado de Matos, Mário Murteira, Sottomayor Cardia, Salgado Zenha e Medeiros Ferreira). Outros mantiveram sempre uma participação apenas cultural, como foi o caso de Nuno de Bragança, Jorge de Sena, Alberto Vaz da Silva, Cristovan Pavia, Agustina Bessa-Luís, António Ramos Rosa, Ruy Belo ou Herberto Helder.
Tanto a Moraes como O Tempo e o Modo entraram em crise financeira a partir de 1967 – António Alçada Baptista teve de pagar quase até ao fim da vida os prejuízos, através de descontos no seu ordenado.
Na Cinemateca
Um destes dias, quando entrar na Cinemateca, sei que não encontrarei ao fundo de um corredor um homem elegante e desajeitado, misto de nobre espanhol e de comandante de Marinha, nem ouvirei uma voz rouca conversando com um vagar antigo, esse homem que fez duas vezes de Papa em filmes de Manoel de Oliveira e falava como mais ninguém do cinema que se fez até aos anos noventa do século XX.
Mas sei também que todos aqueles para quem a memória não é um deserto de túmulos vazios serão incapazes de entrar na Cinemateca ou sequer de ouvir falar de Johnny Guitar de Nicholas Ray ou A Palavra de Dreyer sem recordar João Bénard da Costa.
Francisco Vale
De João Bénard da Costa a Relógio D’Água publicou apenas um posfácio a uma antologia de Cecília Meireles, poetisa que ele admirava, um texto saído inicialmente no Público a 9 de Novembro de 2001. Nele, o autor de Como o Cinema Era Belo cita, a propósito do centenário de nascimento e do 37.º aniversário da morte de Cecília Meireles, um poema que poderemos agora dedicar ao próprio João Bénard da Costa.
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.
Eu deixo o aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando em mim.
E por perder-me é que me vão lembrando,
Por desfolhar-me é que não tenho fim.
João Bénard da Costa foi um intelectual católico e humanista, um cinéfilo e um homem da acção.
O Tempo e o Modo, que ajudou a criar tinha como subtítulo Revista de Pensamento e Acção. Mesmo a sua visão de cinema, expressa no livro Filmes da Minha Vida, os Meus Filmes da Vida, mostra que para ele o cinema tinha a ver com tudo o que fazia. Na Gulbenkian, na segunda metade dos anos 70, não se limitou a organizar ciclos de cinema, acompanhados com a distribuição das suas já míticas folhas e intervenções. Criou um Centro que permitiu a realizadores como Alberto Seixas Santos e António-Pedro Vasconcelos fazer os seus primeiros filmes.
Ainda no campo da acção transformou a Cinemateca numa das melhores da Europa em termos de programação e arquivo.
A sua grande decepção foi na política, tendo partilhado com António Alçada Baptista as ilusões na «abertura marcelista».
O Tempo e o Modo foi um dos projectos mais importantes em que João Bénard da Costa participou. A revista foi fundada em finais de Janeiro de 1963 e nela confluíram, em entradas sucessivas, elementos oriundos da Juventude Universitária Católica e do Centro Cultural de Cinema e socialistas saídos do MUD, aliados numa intervenção que contestava o regime ao mesmo tempo que por ele era tolerada (o grupo excluía elementos ligados ao PCP ou à extrema-esquerda, que na sua versão maoista acabaria por influenciar a revista ou, pelo menos, por se apropriar do seu título).
A matriz do projecto foi a editora Moraes, criada alguns anos antes – no ambiente do pós-guerra europeu e da campanha eleitoral de Humberto Delgado – por António Alçada Baptista e Pedro Tamen. O primeiro livro que publicou foi O Personalismo de Emmanuel Mounier, em tradução de João Bénard da Costa, cuja tese de licenciatura em Letras fora sobre o fundador da revista Esprit. Uma sua colecção, Círculo do Humanismo Cristão, prefigurou o que viria a ser O Tempo e o Modo de que António Alçada Baptista seria o director, João Bénard da Costa chefe de redacção e, um pouco mais tarde, Vasco Pulido Valente o chefe de redacção adjunto.
A partir de 1966, João Bénard da Costa dedicou-se também à Associação para a Liberdade da Cultura.
Na antologia de O Tempo e o Modo, publicado em Dezembro de 2003 pela Fundação Gulbenkian e o CNC (acompanhada de um CD, com todos os números da revista), há referência a vários textos de João Bénard da Costa, que ilustram o seu modo de encarar o cinema, a religião e a filosofia. É o caso de «O Cinema É Um Fenómeno Idealista», «Mounier e O Tempo e o Modo», «A Igreja e o Fim dos Constantinismos», «Os Silêncios do Vaticano» e o texto de abertura que fez para o caderno «Deus o Que É?».
Alguns dos colaboradores da revista acabaram por ter incursões mais ou menos prolongadas na vida política e económica (casos de Jorge Sampaio, Vasco Pulido Valente, José Cutileiro, Mário Soares, Luís Moita, Jaime Gama, Luís Salgado de Matos, Mário Murteira, Sottomayor Cardia, Salgado Zenha e Medeiros Ferreira). Outros mantiveram sempre uma participação apenas cultural, como foi o caso de Nuno de Bragança, Jorge de Sena, Alberto Vaz da Silva, Cristovan Pavia, Agustina Bessa-Luís, António Ramos Rosa, Ruy Belo ou Herberto Helder.
Tanto a Moraes como O Tempo e o Modo entraram em crise financeira a partir de 1967 – António Alçada Baptista teve de pagar quase até ao fim da vida os prejuízos, através de descontos no seu ordenado.
Na Cinemateca
Um destes dias, quando entrar na Cinemateca, sei que não encontrarei ao fundo de um corredor um homem elegante e desajeitado, misto de nobre espanhol e de comandante de Marinha, nem ouvirei uma voz rouca conversando com um vagar antigo, esse homem que fez duas vezes de Papa em filmes de Manoel de Oliveira e falava como mais ninguém do cinema que se fez até aos anos noventa do século XX.
Mas sei também que todos aqueles para quem a memória não é um deserto de túmulos vazios serão incapazes de entrar na Cinemateca ou sequer de ouvir falar de Johnny Guitar de Nicholas Ray ou A Palavra de Dreyer sem recordar João Bénard da Costa.
Francisco Vale
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