24.11.10

A Imortal Anna Karénina


A vitalidade narrativa de Tolstoi exprimiu-se em contos como “De Quanta Terra Precisa Um Homem?”, “Depois do Baile”, “O Diabo” e “O Padre Sérgio”. Afirmou-se também em novelas como a quase autobiográfica Os Cossacos, em A Morte de Ivan Iliitch e na Sonata de Kreutzer, escritas quando o moralista ameaçava já o narrador. A póstuma Hadji-Murat, admirada por Wittgenstein e H. Bloom, é um caso singular de criação tardia.

Mas foi na extensão de Guerra e Paz e Anna Karénina que Tolstoi realizou o seu projecto de retomar o fio perdido de uma épica em declínio, dialogando com Homero, alheio ao decurso dos séculos.

Li Guerra e Paz demasiado cedo e quando voltei a folheá-lo não reencontrei o fascínio de um desfile de personagens num fundo de guerra. Mas o que recordava impediu a limpidez de um primeiro olhar. E a estreita vida conjugal em que acabam Pierre e Natacha continuou a parecer-me uma rendição incondicional. Talvez por isso prefiro Anna Karénina, onde Tolstoi criou a mais perdurável das suas personagens.

Anna Karénina tem sido analisada pelos críticos mais atentos. Nabokov, a quem invejo a leitura no original, considera que tudo no carácter de Anna «é significativo e moral o que também se aplica ao seu amor». Para Steiner, o «método da sua escrita é polifónico» e «as harmonias principais têm uma terrível força e completude». Por sua vez, James Wood diz que «os carácteres de Tolstoi tem uma espécie de realidade diferente da dos outros romancistas, porque são ao mesmo tempo inevitáveis e previsíveis, universais e particulares».

A força narrativa de Tolstoi pode ser avaliada comparando Anna Karénina com Madame Bovary e o Primo Basílio, obras cujo trama é o adultério. Anna Karénina faz parecer estreito o magnífico romance de Flaubert e provinciana a Luísa de Eça.

Tolstoi escreveu as suas principais obras num período em que a Rússia oscilou entre a libertação dos servos (1861) e a revolução (1905) e que foi quase tão criativo como a Grécia de Péricles. Tinha uma compreensão dos ritmos profundos da vida, uma visão moral e dominava as técnicas da narrativa clássica. Foi isso que lhe permitiu transformar um caso de adultério na procura de sentido para a vida por parte de uma mulher que enfrentou deliberadamente a moral do seu tempo. Mas como é anunciado na epígrafe (uma citação de S. Paulo) «minha é a vingança e eu lhes darei a paga», Tolstoi acaba por condenar uma personagem que antes olhara com generosidade ou até com involuntária admiração. Entre os preconceitos do marido e a desatenção do amante, Anna é impelida para morte porque para Tolstoi o amor apenas carnal destrói em vez de criar.

Porém, ao suicidar-se, Anna vinga-se não apenas de Vronski como do próprio Tolstoi, tornando-se tão imortal como ele – se é que não é ela própria a assegurar-lhe a imortalidade.

Francisco Vale

11.11.10

Apresentação do álbum de António Barreto, Fotografias


No dia 11 de Novembro, quinta-feira, às 19 horas, vai ser lançado o álbum António Barreto, Fotografias 1967-2010.
A apresentação realiza-se na galeria Corrente D’Arte, na Avenida D. Carlos I, 109, em Lisboa, onde será também inaugurada uma exposição das fotografias.


5.11.10

Clássicos Russos na Relógio D’Água


A Relógio D’Água prossegue, nos próximos meses, a publicação de clássicos russos, como Turguénev, Tolstói, Dostoievski e Tchékhov. Trata-se de autores surgidos no período de criação literária mais fecundo de sempre, ou seja, na Rússia que vai da libertação dos servos à revolução de 1905.

De Turguénev, e depois da novela Águas da Primavera sairá, ainda este ano, o último romance que escreveu, Solo Virgem, em tradução do russo de Manuel de Seabra.

Os Irmãos Karamazov de Fiódor Dostoievski e Guerra e Paz de Lev Tolstói estão a ser traduzidos por António Pescada, tendo edição prevista para o primeiro semestre de 2011.

De Tchékhov será publicado A Ilha: Uma Viagem a Sakhalin. É a narrativa de viagens que o então jovem médico Tchékhov fez aos condenados em Sakhalin, um local remoto onde apenas se aguardava a morte.


Do até agora inédito em Portugal Saltykov-Shchedrin acaba de sair A Família Golovliov, com um prefácio de James Wood, que considera este romance «cada vez mais moderno com a passagem do tempo».


A lista de clássicos russos é completada com Petersburgo de Andrei Béli em tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. O romance foi considerado por Vladimir Nabokov o terceiro mais importante do século XX, logo a seguir a Ulisses de Joyce e Metamorfose de Kafka e antes de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust.

De Isaac Babel, será publicada uma antologia de contos, igualmente no primeiro trimestre de 2011.

Igual atenção merecem alguns escritores russos contemporâneos. É o caso de Liudmila Petrushevskaia com o desconcertante Hora: Noite que será publicado ainda em Novembro. De Liudmila Ulitskaia, autora de Mentiras de Mulher, sairá, no início de 2011, o romance O Caso do Doutor Kukotsky, em tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.

4.11.10

Novos Ensaios na Relógio D’Água


A Relógio D’Água termina o ano de 2010 com alguns ensaios marcantes.

John Maynard Keynes e a bailarina Lydia Lopokova
É o caso da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda de John Maynard Keynes, prefaciado pelo Nobel de Economia de 2008 Paul Krugman. A publicação da principal obra de Keynes insere-se no debate internacional desencadeado em Dezembro de 2008, pelo então ministro das Finanças alemão Peter Steinbrück, ao referir o «estúpido keynesianismo» do governo britânico numa entrevista à Newsweek e pela resposta veemente de Krugman no New York Times.

De Elizabeth Badinter acaba de sair O Conflito – A Mulher e a Mãe, que surge trinta anos depois do seu controverso O Amor Incerto. A ensaísta francesa considera que o regresso em força do naturalismo, que sublinha de novo o conceito de instinto maternal, ameaça a emancipação da mulher e a igualdade dos sexos.

De Slavoj Žižek edita-se agora um dos últimos livros Da Tragédia à Farsa, em que o filósofo esloveno analisa a recente crise financeira e as suas consequências internacionais inseridas nos acontecimentos que marcaram a primeira década do século XXI. Segundo Žižek, com os ataques do 11 de Setembro e o colapso financeiro de 2008, o liberalismo foi posto em causa como doutrina política e teoria económica.

De Maria Filomena Molder vai sair O Químico e o Alquimista. Benjamin, Leitor de Baudelaire, um contributo para a redescoberta de novas facetas de Walter Benjamin enquanto crítico.

Em Fevereiro de 2011 será publicada A Crítica da Razão Cínica, a obra fundamental de Peter Sloterdijk e que, quando do seu surgimento na Alemanha em 1983, foi considerada por Habermas como o principal acontecimento filosófico das últimas décadas.