29.7.09

Os «Melhores» Contos de Eudora Welty


A Relógio D’Água irá publicar em breve uma antologia com os melhores contos da autora norte-americana Eudora Welty, traduzida por Miguel Serras Pereira.




Eudora Welty nasceu em 1909, em Jackson, Mississípi, onde passou toda a sua vida.
Na juventude foi fotógrafa, percorrendo os mais variados locais do seu Estado natal e fixando as imagens de uma América profunda que mais tarde fariam parte dos seus contos.
Começou a ser conhecida como escritora depois dos 30 anos e a sua literatura foi marcada por uma espécie de qualidade «fotográfica» de paisagens físicas e sentimentais.
Como diz o escritor Juan Manuel de Prada, «muitas das narrativas de Eudora Welty são protagonizadas por crianças, mulheres cândidas e homens francos, que participam na vida como num banquete, por criaturas que parecem definitivamente imunes ao pecado original». Mas contêm também «episódios de perturbada inquietação, personagens excêntricas e solitárias que escondem uma reserva de sonhos que murcharam, de tentações ilícitas que assomam aqui e ali como uma espécie de pudica mas, ao mesmo tempo, orgulhosa obstinação».
Como a própria Welty escreveu no Prefácio às suas Collected Stories em Maio de 1970: «Têm-me dito, como elogio e crítica, que pareço gostar das minhas personagens. Aquilo que faço quando escrevo sobre uma qualquer personagem é tentar entrar na mente, no coração e na pele de um ser humano que não sou eu. Quer se trate de um homem ou de uma mulher, velho ou novo, com pele negra ou branca, o principal desafio é o salto em si. O acto da imaginação de um escritor sobrepõe-se a tudo.»
Eudora Welty escreveu cinco romances, The Robber Bridegroom, Delta Wedding, Losing Battles, The Optimist’s Daughter e O Coração dos Ponders, bem como uma antologia de contos, The Collected Stories of Eudora Welty.
Em 1971 publicou um álbum de fotografias intitulado One Time, One Place: Mississipi in the Depression – A Snapshot Album.
Ao longo da sua carreira, foi distinguida com vários prémios, entre os quais o Howells Medal for Fiction, em 1965, o Brandeis University Creative Arts and Letters em 1965 e o Pulitzer Prize em 1973.
A sua influência foi grande em vários escritores e designadamente em Truman Capote.
Eudora Welty faleceu em 2001.

Na Relógio D’Água tem editado O Coração dos Ponders.

Este livro reúne aquelas que consideramos serem as dez melhores histórias de Eudora Welty e que confirmam a autora como uma das principais contistas contemporâneas.
Todos os contos — Uma Notícia no Jornal, A Buzina, Clytie, Flores para Marjorie, Uma Cortina de Verdura, Caminho Batido, A Grande Rede, Leito Seco, Recital de Junho, Mulheres na Primavera — foram escritos ao longo de um período de três décadas. Eudora Welty formou com Flannery O’Connor e Carson McCullers o triunvirato feminino do «gótico» do sul dos Estados Unidos. Embora o seu olhar possa ser considerado o mais clemente do triunvirato, a verdade é que partilhou com ele a capacidade de explorar «essas regiões de luz e sombra onde se esclarecem os segredos mais bem guardados da natureza humana».

«A riqueza de um talento como este resiste a um resumo… Ela é sempre honesta, sempre justa. E bastante divertida. As histórias são magníficas.» [Maureen Howard, The New York Times Book Review]

«A ternura irónica de Tchékhov, a expressividade quase selvagem de Maupassant, o aspecto ameaçador de Poe e Bierce, a energia de Henry Green. Tem talvez o melhor estilo mozartiano de toda a literatura inglesa.» [Mary Lee Settle, Saturday Review]

27.7.09

Livros da Relógio D’Água nos Media (Semana de 20 a 26 de Julho)


No suplemento Ípsilon do jornal Público de 24 de Julho, Óscar Faria fala sobre Os Olhos de Himmler de Rui Nunes.

«É um livro imenso, este. Um texto que cruza, por vezes misturando-os, vários tempos, o passado e o presente. Os crimes de Heinrich Himmler – a 4 de Outubro de 1943, o comandante das SS proferiu o discurso de Posen, onde aborda directamente o extermínio dos judeus europeus -, participados por Andreas, que se prolongam na violência contemporânea.»




23.7.09

Livros da Relógio D’Água nos Media (semana de 13 a 19 de Julho)

No Semanário Sol de 17 de Julho, Filipa Melo escreve sobre Que o Diabo Leve a Mosca Azul de John Franklin Bardin (prefaciado por Ana Teresa Pereira), que considera «um dos expoentes máximos de perícia na criação de uma atmosfera ficcional terrivelmente perturbadora».
Filipa Melo acrescenta que o livro «merece uma primeira, uma segunda, uma terceira leitura, para total impregnação dos vários desenvolvimentos do que poderíamos chamar o acorde psicopatológico de Ellen».

16.7.09

Tradutores Literários, Precisam-se

Quase todos os editores têm na sala onde trabalham uma estante repleta para onde relanceiam às vezes um olhar inquieto. São as traduções «encalhadas» à espera de uma revisão que as torne publicáveis.
Resultaram de pedidos feitos a embaixadas para indicarem tradutores do sueco, japonês ou persa e que, apesar dos muitos anos no nosso país, produziram textos num português tão fluente como o dos manuais de aspiradores chineses.
Mas mesmo quando se teve a precaução de pedir a tradução a alguém que tem o português como língua materna, há catástrofes difíceis de corrigir, traduções do inglês, francês, castelhano ou alemão que passam ao lado, em que onde devia surgir «pálido» está «esbatido» e «furtivo» é confundido com «esquivo». E há também expressões idiomáticas tomadas à letra e alguém desastrado (fingers and thumbs) surge «inesperadamente» como tendo «dedos e polegares».
Encontrar um tradutor que tenha, para usar a expressão de Umberto Eco, uma «apaixonada cumplicidade» com o livro que traduz, é quase tão importante como descobrir um novo autor. E mais raro, já que os escritores vêm de qualquer parte do mundo e é difícil encontrar um bom tradutor que não tenha a língua materna como «língua de chegada» (embora não impossível, como o mostram as obras em inglês do russo Nabokov e do polaco Conrad).

Transportar água nas mãos
A tradução entre duas línguas naturais – falamos aqui apenas da literária – consiste em reproduzir um dado efeito emocional e intelectual, através de símbolos de uma outra língua. É, como diz Octavio Paz, «a arte da analogia, a arte das correspondências».
Como se pode constatar, usando um programa de tradução automática de português para alemão e desta língua de novo para a nossa, é um processo que nada tem de mecânico. Podemos fazer o teste com o início de Húmus ou um fragmento do Livro do Desassossego que o resultado é o mesmo, a incongruência. O dicionário e mesmo a enciclopédia são apenas pontos de partida, sendo decisivos a capacidade de contextualizar enunciados, o domínio da semântica e da sintaxe, a cultura geral e a inteligência no entendimento dos sentidos.
A tradução literária é, para usar uma metáfora que ouvi a Hélia Correia, como transportar água nas mãos em concha de um lugar para o outro. Por mais que se estreitem os dedos, perde-se sempre alguma coisa (as traduções que melhoram o original como as de Hölderlin, Rilke, Celan ou Borges são excepcionais).
O essencial é, pois, reduzir as perdas, manter o leitor na ilusão de que quem escreveu aquelas palavras, foi o próprio autor que provavelmente desconhece a língua. Na verdade, quem escreveu o D. Quixote que publicámos foi José Bento – e, no entanto, ao lê-lo, temos a sensação de estar debruçados sobre um texto escrito por Cervantes. O mesmo se poderia dizer de Em Busca do Tempo Perdido na tradução de Pedro Tamen, ou da Ilíada e Odisseia que Frederico Lourenço traduziu.
Para tornar possível esta convenção tacitamente aceite pelo leitor, essa «suspensão voluntária da incredulidade» de que falava Coleridge em relação à ficção, é necessário que os tradutores conheçam a estrutura interna da língua de partida, tenham um completo domínio do português e conheçam o estilo do autor de modo a poderem elaborar um duplo do texto original. Só assim é possível recriar a linguagem e o humor seiscentista de Cervantes, manter a sensação de nostalgia nas longas frases de Proust e ouvir, nos versos de Homero, o estrépito dos combates travados pela conquista de Tróia e o ardiloso regresso de Ulisses a Ítaca.
Ora em Portugal, apesar da crescente necessidade de tradutores criada pela integração europeia e a globalização, não se verifica ainda uma aprendizagem significativa de línguas como o mandarim, o hindu, o russo, o árabe, o japonês, o turco, o finlandês ou o sueco.
Mas até nas línguas ensinadas há problemas.

Tudo começa no ensino
Muitos candidatos a tradutores saídos das faculdades de letras ou dos mestrados do ISLA, dominam razoavelmente o inglês, castelhano, francês ou alemão. Conhecem também, em geral, as diferentes concepções sobre tradução, dos textos de S. Jerónimo ao Dizer Quase a Mesma Coisa de Umberto Eco, passando pelas teses sobre essa «fala pura» que subjaz às línguas de Walter Benjamin, a Paixão Crítica de Octavio Paz e o Depois de Babel de Steiner (há ainda contributos de Schleiermacher, Ortega, Nabokov, Hermann Broch e Javier Marías para aquilo que só forçando a nota se poderia designar por uma teoria da tradução). Muitas dessas ideias são importantes, sobretudo as daqueles que, mesmo sem experiência prática, são capazes de dar múltiplos exemplos como o poliglota Steiner ou que têm uma longa oficina de tradução como João Barrento e que é bem evidente em O Poço de Babel. E, por maioria de razão, é útil conhecer as concepções dos que não apenas traduziram, como Walter Benjamin, mas acompanharam, como Umberto Eco, o trajecto dos seus livros nas mais diversas línguas negociando as inevitáveis perdas e definindo limites interpretativos.
A verdade, porém, é que, apesar desse conhecimento das línguas de partida e do domínio das mais diversas experiências, são raros os bons tradutores de literatura mesmo do inglês, castelhano, italiano e francês.
É que no nosso ensino, os alunos não têm de ler vários livros por mês desde o básico, nem de escrever textos mais tarde discutidos, nem de estudar os clássicos portugueses. E só isso poderia assegurar um adequado domínio das possibilidades expressivas da língua.
Dentro de alguns anos haverá inúmeros portugueses a escrever e falar o anglo-americano. Se deles surgir uma dezena de bons tradutores de Jane Austen ou Cormac McCarthy seria excelente.
É também significativo que, apesar de ter havido milhares de portugueses que estudaram na URSS ou na Alemanha, tenhamos apenas três ou quatro tradutores de russo e meia dúzia de bons tradutores do alemão.

Uma actividade mal paga?
Claro que, chegado aqui, qualquer candidato a tradutor pensará: «Muito bem. É preciso dominar pelo menos duas línguas, ter conhecimentos de semântica, de sintaxe e de estilo e mesmo uma “apaixonada cumplicidade” com o autor. E tudo isto por uns míseros euros por página?»
O trabalho do tradutor literário é de facto mal pago em termos absolutos, mas não em relação aos outros participantes na actividade editorial.
Vejamos o exemplo de um livro traduzido com 340 páginas (nas de tradução, com 1800 bites, serão cerca de 400) e que na livraria custa 15€, tendo uma tiragem de 2000 exemplares e vendendo 1500, o que são valores habituais.
O tradutor recebe por página, de 8€ (casos do inglês, castelhano, italiano ou do francês) a 12€ (russo e alemão), pelo que consideraremos o valor intermédio de 9€. Por cada exemplar vendido, as principais livrarias recebem 38 por cento, o distribuidor 22 por cento, o autor 8 por cento, o tradutor 16 por cento e o editor 16 por cento. Se a tiragem se esgotar, a percentagem do tradutor desce para 12 por cento. Mas é preciso ter em conta que só o autor (no valor da «antecipação») e o tradutor recebem antes da edição e que este último é o único cujo pagamento não depende do número de exemplares vendidos (situação só alterada para certos clássicos no domínio público ou em casos de reedição). O editor e o distribuidor começam a receber pagamentos, em média, três meses após a edição.
Mesmo assim, é preciso que um bom tradutor goste de literatura para fazer dela o seu ganha pão. De outro modo é preferível financeiramente voltar-se para as instituições comunitárias ou nacionais e as revistas técnicas – embora, é claro, existam romances tão áridos como as estatísticas da produção leiteira na Polónia, brilhantes como os catálogos da Gulbenkian e intrincados como as performances de um automóvel.

Um trabalho criativo
Problema diferente é o de reconhecimento do papel dos tradutores, cuja associação, a APT, tem um funcionamento intermitente. Embora sejam equiparados a autores na legislação e os seus nomes figurarem nas páginas de rosto e por vezes nas capas dos livros, vêem poucas vezes analisado o seu trabalho. Ainda é frequente, nas críticas e recensões, não ser sequer mencionado o nome do tradutor. E, no entanto, sem eles não poderíamos ter lido Shakespeare, Cervantes, Tolstói, Rilke, Musil ou Faulkner na nossa língua. Benjamin, Octavio Paz e Steiner consideraram mesmo a tradução algo de muito semelhante à criação literária (Steiner abençoa mesmo a Torre de Babel, por ter multiplicado as línguas e por isso os modos de sentir, embora considere que todo o movimento de significados, até a mais banal das conversas, implica um acto de tradução).
E é também sabido que as línguas inglesa, alemã e francesa foram moldadas pelas traduções da Bíblia feitas por Tyndale, Lutero e Calvino.
Como escreveu Javier Marías: «O tradutor, ao enfrentar a sua tarefa, sente o texto original como uma ausência. O que conta para ele e para o seu trabalho é a ausência desse texto na sua língua, na chamada língua de recepção, e por isso no sistema de pensamento dessa língua. O tradutor não reproduz, não copia, não decalca (…). Plasma sempre pela primeira vez uma experiência única, irrepetível e intransferível; cria na sua língua aquilo que na sua cabeça está noutra língua.»
Francisco Vale

As Aventuras de Huckleberry Finn em nova tradução na Relógio D’Água

«Toda a literatura americana moderna vem de um livro de Mark Twain chamado Huckleberry Finn.» [Ernest Hemingway]

Na próxima semana, a Relógio D’Água publicará uma nova tradução (de Sara Serras Pereira) de As Aventuras de Huckleberry Finn de Mark Twain.


Este livro pode ser interpretado como uma simples história sobre as aventuras de um rapaz no Vale do Mississípi durante a segunda metade do século XIX. Mas a diversidade da experiência humana e as situações humorísticas e dilacerantes por que passa Huck fazem dele uma obra ímpar.
No meio dos mais diversos episódios a solidão faz com que Huck receie não fazer parte do mundo. Mas a solidão é-lhe necessária para sentir a liberdade ou pelo menos, usando a expressão de H. Bloom, «para não renunciar ao desejo de uma permanente imagem de liberdade».
Samuel Langhorne Clemens nasceu em Florida, no Missouri, em Novembro de 1835. Mark Twain, o pseudónimo jornalístico e depois literário que escolheu, era a expressão usada nos barcos do Mississípi pelo homem que deitava a corda de prumo e gritava, quando a sonda assinalava só duas braças de fundo: Mark twain! (Marca duas!). Em 1839, a família deslocou-se para Hannibal. Em 1847, o pai, modesto comerciante, faleceu. Seis anos depois, Mark Twain abandonou Hannibal e viveu, sucessivamente, em St. Louis, Cincinatti, Filadélfia e Nova Iorque. Foi aprendiz de tipógrafo, piloto de barco a vapor, voluntário no exército e pesquisador de ouro no Nevada até se tornar jornalista. Em 1862 começou a publicar artigos no Enterprise de Virginia adoptando o pseudónimo por que ficaria conhecido. Em 1865 escreveu o conto «The Celebrated Jumping Frog of Calaveras County» que se tornou um êxito. Mas foi em 1869 quando – no regresso da sua primeira viagem ao Mediterrâneo, Egipto e Palestina – publicou The Innocents Abroad, que passou a ser um escritor conhecido, tendo o livro vendido 150 mil exemplares. No ano seguinte passou a dirigir o Express de Buffalo e casou-se com Olivia Langdon. O casal fixou-se em Connecticut onde Twain viveu durante dezassete anos como um reconhecido e mesmo popular romancista e humorista. Foi nessa época que escreveu as suas principais obras, entre as quais Roughing It, As Aventuras de Tom Sawyer, Life on Mississipi e a sua obra-prima As Aventuras de Huckleberry Finn, em parte baseada em experiências da sua própria juventude.

13.7.09

Livros da Relógio D’Água nos Media (semana de 5 a 12 de Julho de 2009)

Na Câmara Clara de domingo, dia 5, Miguel Serras Pereira deu uma pequena entrevista sobre Violência de Slavoj Žižek.
No Expresso de 11 de Julho, António Guerreiro (AG) recomenda, nas «Sugestões de Verão», uma outra obra de Žižek, O Sujeito Incómodo, uma das mais sistemáticas do filósofo esloveno.
Na mesma secção do Expresso, Rogério Casanova (RC) recomenda Cão em Fuga de Don DeLillo.
«Um thriller cómico e enérgico, publicado numa fase da carreira em que DeLillo escrevia thrillers cómicos e enérgicos em vez de empoladas candidaturas ao cânone.»

7.7.09

Livros da Relógio D’Água nos Media (semana de 29 de Junho a 5 de Julho de 2009)

No semanário Sol de 3 de Julho, Filipa Melo fala de Cão em Fuga que considera um Don DeLillo vintage.

«Panorama, corpo e movimento, alinhados para o tema maior: conspiração. Fixem-se estas noções, elas regem a técnica original de um dos melhores da cena literária norte-americana.»

Na rubrica «Leituras» da revista LER de Julho, José Mário Silva critica Breves Notas sobre as Ligações (Llansol, Molder e Zambrano) de Gonçalo M. Tavares.

«As ideias dos outros (das outras, neste caso) são apenas combustível para o seu elaborado processo mental, pontos de partida desligados entre si e arrancados aos respectivos contextos, materiais observados a partir de um ponto exterior – suficientemente distante para permitir a perspectiva e a paralaxe, a aproximação e o erro. É esse olhar a dois tempos que leva à descoberta de insuspeitos fios soltos e nexos improváveis.»

José Riço Direitinho aborda igualmente em «Leituras» Os Adeuses de Juan Carlos Onetti. JRD considera que esta novela, a preferida de Onetti, é uma «verdadeira obra-prima da arte de narrar com rigor, delicadeza e inteligência».

Ainda no mesmo número da LER é feita uma recensão a Cão em Fuga de Don DeLillo por José Riço Direitinho e em «Mais Livros Saídos» é referido o livro Os Olhos de Himmler, de Rui Nunes.

No Noticiário da Sic Notícias de quinta-feira, José Gil foi entrevistado por Mário Crespo a propósito do seu mais recente livro, Em Busca da Identidade - o desnorte.

3.7.09

Como Editar Um Primeiro Livro

Se deseja ser escritor tem de aceitar o risco de nunca viver do que escreve – em Portugal, só meia dúzia de autores o conseguem.
Para quem quiser enriquecer o caminho é outro. Caso não tenha idade para uma academia de futebol, nem «estômago» para fazer carreira nas juventudes partidárias, pode sempre tentar descobrir um enredo esotérico que envolva a Ordem dos Templários ou uma rainha portuguesa infeliz e ardente. Neste caso, ninguém se lembrará de si dentro de dez anos, mas será considerado escritor por alguns amigos mais condescendentes e pelos habituais leitores do género.

A Formação
Na avaliação das suas possibilidades tem de ter em conta a formação. Mais de metade dos escritores que temos cursaram as diversas Filologias ou Direito.
Mas se for um auto-didacta, nem por isso deve desistir. Afinal José Saramago, Agustina Bessa-Luís e Alexandre O’Neill deram boa conta de si.
Outro aspecto a ter em conta é a relação que se tem com o mundo editorial.
Se conhece um editor pode sempre convidá-lo para almoçar e, na altura do café, depois de terem lembrado episódios dos agitados anos setenta, dizer qualquer coisa como: «Lembras-te daquele conto que publiquei na revista da Faculdade? Sabes, tenho andado a escrever umas coisas...»
Se não conhece ninguém, tente os prémios revelação ou o envio do original pelo correio.

Os Prémios Literários…
Há vários modos de obter um prémio literário.
O primeiro é tentar escrever um livro diferente ou melhor do que todos os que já leu, avaliando cada palavra e sentindo o ritmo das frases, tacteando os limites da imaginação. Alguns autores começaram com prémios revelação. Foi o caso de Almeida Faria, com Rumor Branco. Também Agustina editou na Guimarães Mundo Fechado depois de ter vencido um concurso literário. O mesmo sucedeu com Ana Teresa Pereira e Matar a Imagem.
Mas esse é um caminho incerto e, para usar a expressão de Philip Roth, são poucos os jovens escritores para quem «as dificuldades são uma espécie de divindade».
Aos impacientes sugerimos dois atalhos.
O primeiro é percorrer dia e noite a rua onde mora Gonçalo M. Tavares, esperando encontrar uma mochila perdida com algum original – afinal é o autor que mais prémios tem recebido. O outro é enviar para concurso um romance que imite descaradamente o estilo de Vasco Graça Moura, que está em pelo menos metade dos júris literários, esperando que ele convença os seus pares de que estão perante um enorme talento (neste caso, é inconveniente usar o novo Acordo Ortográfico).

… E o Modo de os Receber
No caso de o prémio lhe ser atribuído, pode limitar-se a agradecer o «estímulo» ou adoptar uma atitude à Thomas Bernhard, a do mendigo insolente, comprando um fato para a cerimónia e insultando o júri, a literatura oficial e o país.
Há ainda uma atitude intermédia, a de pedir ao editor que o represente. Caso deseje fazer carreira no Jornal de Letras, pode justificar a sua ausência com uma viagem aos palácios do Grande Canal em Veneza ou ao Campanile de Giotto em Florença. Se lhe interessa mais a Câmara Clara, justifique-se com uma ida a Nova Iorque para ver no MoMA uma retrospectiva de Rothko.

O Envio do Manuscrito por Correio
Ao enviar o manuscrito para o editor, deve ter em conta que manuscrito é um modo de dizer.
Nos tempos que correm, nenhum editor lhe perdoará – a não ser que o autor tenha mais de noventa anos – o envio de um texto manuscrito ou mesmo teclado à máquina. Tudo é mais fácil, sobretudo se o original vier a ser publicado, com um texto em suporte digital acompanhado pela respectiva impressão (o original deve ser endereçado ao próprio editor).
Além disso, é preciso saber escolher a editora. Se é influenciado por Bukowski e Henry Miller não vale a pena pensar na Gaialivro, que publica histórias onde até os vampiros são castos. Se colecciona autógrafos de Margarida Rebelo Pinto, tente logo a Oficina do Livro.

A Edição de Autor
Tradicionalmente, o autor cujo original era várias vezes recusado imprimia a obra à sua custa (ou aceitava participar nas despesas da editora o que ocultava muitas vezes um negócio obsceno).
O caso mais famoso de autoedição é o de Miguel Torga.
Hoje, com o desenvolvimento conjunto da Internet e da impressão digital, a edição de autor aproxima-se já, em número de títulos, da edição normal em países como os EUA.
Algumas companhias como a Creative Space da Amazon produzem obras cobrando os custos de impressão e partilhando os lucros. Em 2008, a Author Solutions publicou 13 mil títulos, atingindo os 2,5 milhões de exemplares, em parte distribuídos através da Amazon ou acessíveis no site da maior cadeia de livrarias norte-americana, a Barnes & Noble.
Na Europa, onde as tradições culturais são diferentes, o movimento é incipiente, no que se refere à ficção narrativa e poesia. No entanto, algumas livrarias britânicas dispõem já de serviços de impressão a pedido, que podem servir a autoedição.
Dados os riscos financeiros e tempo que exige, a autoedição só deve ser encarada pelos autores recusados pelas editoras «tradicionais» que tenham uma nítida convicção do seu talento.

O Título
O título deve merecer um cuidado particular. Bruscamente no Verão Passado, O Jardim dos Caminhos Que Se Bifurcam, À Sombra das Raparigas em Flor ou A Senhora Smilla e a Sua Especial Percepção da Neve são títulos que fizeram muito pelas respectivas obras.
O início do livro pode ser decisivo. Nas editoras de menor dimensão a leitura é feita pelos próprios directores que vão decidir se continuam depois de ler dez páginas.
De qualquer modo, têm de ser originais, pelo que não é boa ideia começar com: «Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes, mal apagava a vela, os olhos fechavam-se-me tão depressa que não tinha tempo de pensar: “Vou adormecer.”»
Na poesia evite confundir versos com bons sentimentos e não acredite que somos um país de poetas. E não lhe fará mal seguir o conselho de Virginia Woolf em Carta a Um Jovem Poeta: «Nunca publique nada antes dos 30 anos.»

A Espera
Enviado o original, tem de saber esperar. Mostrar impaciência passada uma semana é mau sinal. E esperar mais de seis meses revela falta de convicção. O melhor é informar-se dos prazos junto do editor (são poucos os que em Portugal têm o apoio de Comissões de Leitura).
Mas o principal é saber que apenas um em mil originais será aceite. De qualquer modo, envie o seu para vários editores. As possibilidades aumentam e se um deles o aceitar poderá sempre ter o prazer de explicar aos outros que lamenta mas...
Em caso de recusa, pode pensar que o editor é um incompetente, o que pode muito bem ser o caso. Em Busca do Tempo Perdido, Debaixo do Vulcão, Uma Conspiração de Estúpidos e Levantado do Chão, integram a longa lista de originais recusados. Até os melhores se enganam. Basta lembrar que o Ulisses foi recusado pela Hogarth Press dirigida por Virginia Woolf e Leonard Woolf (se Joyce fosse editor era também provável que recusasse o delicado Orlando).
Em alternativa, leia A Tabacaria com «Desespoir agréable» de Satie como música de fundo, e convença-se que a posteridade saberá reconhecer os seus.

Original Aceite

Se o seu livro for aceite, é provável que o editor tenha algumas sugestões a fazer. Apesar de tudo, tente ser razoável. Se ele achar que poderia reduzir as 1000 páginas do original para, digamos, 930, não desate logo a falar em Guerra e Paz. E se o editor discordar que o nome dos personagens mudem de capítulo para capítulo, não invoque o santo nome de Agustina.

Argumentos Extra-Literários
Em relação a alguns editores pode avançar argumentos extra-literários. Se tencionar viver entre os papuas da Oceânia, mudar de sexo ou assassinar alguém ao virar da esquina, deve referi-lo, pois a cobertura mediática para o seu livro ficará assegurada. Para certos editores o argumento é decisivo.

O Contrato
Depois de o seu original ser aprovado e discutidas eventuais sugestões de alteração (como sabe mais usuais nos países anglo-saxónicos que nos latinos), não deve esquecer o contrato. Este pode ter trinta alíneas, mas só quatro são importantes. Deve recusar a exclusividade e exigir a aprovação da capa se não quiser apanhar um susto de letras douradas em relevo que o perseguirá o resto da vida. Ainda mais decisivo é o prazo de vigência e a percentagem de direitos a receber. A nossa lei de direito de autor estipula que na ausência de especificação a vigência de contrato é de 25 anos e os direitos autorais de 25 por cento.
Ou seja, nenhum editor se esquece de definir a percentagem de direitos, que normalmente vai de 10 a 12 por cento (nas edições de bolso esse valor pode ser de 5, para os «mais vendidos» alcançar os 15 por cento e para e-books e audiolivros ainda não há um valor habitual). Mas alguns editores «esquecem-se» do período de vigência do contrato (cinco anos é um prazo razoável).

O Lançamento
Os lançamentos podem ser uma ocasião para o autor reunir os amigos. Mas só no caso de ser também jornalista terá assegurada a presença dos media.
Não insista com o editor para que intervenha. Há editores tão reservados que prefeririam ser obrigados a ler um livro de Fátima Lopes a falar em público.

A Lealdade
No caso, provável, de o seu primeiro livro ter vendas discretas, evite andar pelas livrarias a colocá-lo em destaque nos expositores. Se passados seis meses deixar de o ver, não proteste junto do editor, pois são regras de mercado que ele tem dificuldade em contrariar.
Caso o seu livro seja um êxito de vendas, evite que isso lhe suba à cabeça. Não use o pretexto de uma gralha na página 176 ou a ausência de exemplares num quiosque de Bragança para negociar o seu próximo livro com um grande grupo editorial, que provavelmente nunca publicou nenhum novo autor.
Afinal há uma diferença entre um editor que se preparou para acolher a radical novidade que é a descoberta de um autor e aquele que alinha o seu catálogo pelos tops de vendas internacionais.

Francisco Vale

Nova Edição de Crime e Castigo

A Relógio D’Água vai publicar, na próxima semana, uma nova tradução de Crime e Castigo feita a partir do russo por António Pescada.







Raskólnikov, um estudante pobre e desesperado, vagueia pelos bairros degradados de São Petersburgo e comete um assassínio. A vítima é uma velha usurária. Raskólnikov imagina-se um grande homem, agindo por uma causa que está para além das convenções da lei moral e o coloca acima do comum dos mortais. O seu acto é praticado com uma mistura de sangue frio e exaltado misticismo. Mas quando inicia um jogo do gato e do rato com um polícia, Raskólnikov é cada vez mais perseguido pela voz da sua consciência. Apenas Sónia, uma prostituta, lhe concede a possibilidade de redenção.
O crime de Raskólnikov foi inspirado no assassínio de duas mulheres, com um machado, ocorrido em 1865. Mas, pela mão de Dostoievski, transforma-se numa intensa narrativa, um protagonista desenraizado em busca de afirmação, uma obra em que confluem elementos psicológicos, sociais, éticos e filosóficos.
A obra foi inicialmente publicada por capítulos, em 1866, no Mensageiro Russo.