28.5.09

Alice Munro Ganha o Man Booker International Prize de 2009



Em 27 de Maio passado, Alice Munro, escritora canadiana publicada em Portugal pela Relógio D’Água, venceu o terceiro Man Booker International Prize.
O Man Booker International é um prémio bianual atribuído a um autor cuja obra completa tenha contribuído para a ficção a nível mundial. Em 2005 foi recebido por Ismail Kadaré e em 2007 por Chinua Achebe.
Munro é uma das escritoras mais reconhecidas do Canadá. Quando ouviu a notícia, disse: “Estou completamente admirada e contente.”
O júri do Man Booker International 2009 foi constituído pela escritora Jane Smiley, o escritor e músico Amit Chaudhuri, e o escritor, guionista e ensaísta Andrey Kurkov. O júri justificou do seguinte modo a sua escolha:
“Alice Munro é conhecida sobretudo como escritora de contos e, no entanto, coloca tanta profundidade, sabedoria e precisão em cada história como muitos escritores de romances numa vida inteira de romances. Ler Alice Munro é sempre ler qualquer coisa que nunca pensámos antes.”
A sua última antologia de contos, Too Much Happiness, será publicada em Outubro de 2009. O prémio de £60 000 será entregue a Alice Munro numa cerimónia no Trinity College, em Dublin, no dia 25 de Junho.
Alice Munro tem editado na Relógio D’Água Fugas e O Amor de Uma Boa Mulher. No início de Julho publicaremos a tradução de The View From Castle Rock e em Outubro a do seu último livro Too Much Happiness.

Alice Munro nasceu em Ontário, no Canadá, a 10 de Julho de 1931. Publicou a sua primeira história, The Dimensions of a Shadow, em 1950, quando ainda estudava na faculdade.
Ao todo, tem publicadas doze antologias de contos, incluindo Fugas e O Amor de Uma Boa Mulher (publicadas pela Relógio D’Água), e um romance, Lives of Girls and Women. Já recebeu inúmeros prémios literários, incluindo o Governor General’s Literary Award, o Giller Prize, o Rea Award for the Short Story, o Lannan Literary Award, o W. H. Smith Literary Award e o National Book Critics Circle Award. Os seus contos foram publicados no The New Yorker, The Atlantic Monthly e The Paris Review.




27.5.09

Crítica dos Críticos II

A Vida Difícil dos Bons Livros

António Guerreiro é um jornalista atento. Sem o seu trabalho muitas obras de poesia ou de ciências sociais seriam injustamente ignoradas.
E, no entanto, o seu artigo publicado no Expresso de 1 de Maio, sobre a vida editorial, é redutor ao atribuir a factores como o excesso de produção e à comercialização livreira a responsabilidade principal pelas ameaças à «sobrevivência de espécies bibliográficas» e à sua «diversidade».
O excesso de produção só pode ser um fenómeno conjuntural sem consequências a longo prazo. E o problema de «diversidade» no sector é o mesmo que existe para certos vírus, ou seja, a diversidade até tem aumentado mas criando espécies indesejáveis – o «vampirismo casto», os variados dragões, o realismo urbano imediatista, o género «estrelas televisivas», etc.
Por outro lado, o comércio livreiro não tem o poder de inflectir duravelmente a procura dos leitores e uma prova disso é que, quando uma delas, com uma área razoável num local central, expõe apenas «livros de referência», acaba em falência inglória. O caso de «O Navio de Espelhos» é disso exemplo.
A razão principal para as melhores estantes das livrarias não estarem ocupadas por «bons livros», resulta de um processo em que confluem tendências sociais e culturais de que são responsáveis específicos o sistema de ensino, os media, os editores, os jornalistas, os autores e os livreiros.
Tendo como pano de fundo uma reprodutibilidade técnica que subtraiu às obras de arte a aura da sua «distante proximidade», a massificação de ensino e uma vida urbana que retira vagar e silêncio à leitura, verifica-se a apropriação por parte da sociedade do divertimento de um meio cultural prestigiado como o livro – hoje há editoras especializadas em publicar figuras televisivas com audiências garantidas em prime time, juntando-lhe um ou outro escritor «sério» nada preocupado com a companhia.
Este processo é comum à generalidade dos países e levou à criação de um público em que a maioria prefere Paulo Coelho, Dan Brown ou Stephenie Meyer a Kafka, Cormac McCarthy ou mesmo Philip Roth. É o surgimento, entre os leitores, de uma maioria que prefere livros apenas de divertimento que está na origem da situação actual.
Em Portugal pesa ainda o facto de se ter mudado de uma sociedade quase iletrada para uma outra herteziana e digital, passando por cima da «Galáxia de Gutenberg». Isso sucedeu devido à fragilidade da nossa revolução industrial, que dispensou certas formas de literacia e conduziu de uma economia ruralizada para a actual sociedade de serviços.
Mas mesmo antes de chegarmos às «culpas» específicas do sector como as dos escritores, livreiros e editores, devemos falar dos media, onde se reduzem os espaços destinados aos livros e é quase impossível encontrar um jornalista especializado em divulgação científica. Poderíamos citar dezenas de obras de «ciências duras» e «sociais» de referência que não tiveram um segundo de atenção nos media portugueses.
Por outro lado, o sistema de ensino desencoraja a leitura e a escrita, ou seja, não cria públicos para os géneros referidos – e também para o teatro, poesia e artes plásticas.

As Responsabilidades no Sector

É evidente que a «fuga em frente» do excesso de produção de alguns editores leva a que livros de qualidade fiquem submersos nas estantes das livrarias que tendem por isso a encurtar os «prazos de devolução». Há mesmo grupos editoriais que praticam deliberadamente esse excesso de produção para asfixiar concorrentes. Mas como referimos isso não suprime as «obras de referência» nem tem efeitos estruturais como os referidos por António Guerreiro.
Por sua vez, os livreiros tentam impor condições que dificultam a vida às editoras mais exigentes, aumentando as margens, exigindo um pagamento de espaços nas suas brochuras duas vezes mais caro que na New Yorker e procedendo às devoluções num prazo que não permite que a crítica possa ter efeito nas vendas. Isso contribui para a brilhante monotonia dos seus expositores.
Como, apesar de tudo, já existe um público para obras de qualidade, os livreiros poderiam retirar os «bons livros» dos esconsos, especializar-se em certas áreas, ou vender fundos em lojas amplas na periferia onde as rendas são mais acessíveis evitando naufrágios como a da Byblos. Os livreiros são ainda responsáveis pelo facto de qualquer «livro televisivo» ter assegurado uma centena das suas melhores montras, independentemente do que lá venha escrito – só isso explica que «o livro mais esperado do ano» possa ter uma autora sem «antecedentes» na escrita.
Mas se as livrarias ajudam ao eclipse dos «livros de referência», a verdade é que são sobretudo a sua expressão visível no final de um processo.
Afinal quem publica os maus livros são os editores e quem faz as capas com letras douradas em relevo são os designers. E são autores os que escrevem essas obras e aprovam essas capas. E tudo isso porque há leitores que os procuram.

Francisco Vale



25.5.09

Em Busca da Identidade - o desnorte de José Gil


José Gil prossegue neste livro a sua investigação sobre os processos individuais e colectivos de subjectivação em Portugal.
Quais são esses processos neste período marcado pela globalização, a crise económica e a hegemonia política do PS?
Que formas assume essa subjectivação quando «a falha de sentido que as promessas por cumprir do 25 de Abril não conseguiram colmatar» foi suprida por antigos hábitos e «mentalidades»?
Reinventando conceitos de Ferenczi e Foucault no sentido de uma abordagem original, José Gil mostra como os portugueses tentaram conquistar «formas de subjectivação individuais em desfasamento ou inadequação aos quadros de vida colectiva que se iam edificando progressivamente».
O autor de Portugal Hoje: O Medo de Existir considera que «fizemos da identidade o território da sujectividade» e «esforçamo-nos por resistir ao “fora” que aí vem, do exterior ou do interior, que ameaça destruir as nossas velhas subjectividades». Em sua opinião, a única maneira de remover o obstáculo da «identidade» é «deixarmos de ser primeiro portugueses para poder existir primeiro como homens».
É à luz dessa preocupação que se analisa o discurso dos actuais governantes que consideram que Portugal entrou «num processo irreversível de modernização», um discurso «anti-ideológico e de via única» em que a avaliação «surge como método universal de formação de identidades».
José Gil aborda em particular o «chico-espertismo» enquanto fenómeno que atravessa todo o «tipo de subjectividade da nossa sociedade, sendo transversal a todas as classes, grupos, géneros e gerações».

Novos Crimes Imperfeitos

A Colecção Crime Imperfeito da Relógio D’Água vai ser relançada com as obras de vários autores clássicos e contemporâneos, alguns deles prefaciados por Ana Teresa Pereira.
Entre os clássicos contam-se A Dama de Branco e A Pedra da Lua de Wilkie Collins, O Mistério do Quarto Amarelo de Gaston Leroux e Crime e Castigo de Fiódor Dostoiévski (traduzido do russo por António Pescada).
Dos autores recentes serão editados A Pena do Diabo, A Casa de Gelo e A Escultora de Minette Walters e A Árvore das Mãos e Um Bando de Corvos, de Ruth Rendell.
Com prefácios de Ana Teresa Pereira, sairão, alguns livros a que se poderiam chamar clássicos contemporâneos do policial, O Caso Franchise da desconcertante Josephine Tey; Que o Diabo Leve a Mosca Azul de John Franklin Bardin, que Patricia Highsmith admirava; A Mulher Fantasma de William Irish, um autor a redescobrir, e Aquele Que Murmura, de John Dickson Carr, um escritor que dispensa apresentações.


John Franklin Bardin escreveu Devil Take the Blue-tail Fly em seis semanas, enquanto ouvia, repetidamente, as Variações Goldberg. O seu filho Frank lembra-se dele, um homem muito alto, sentado numa poltrona a ler ou a ouvir música; quando se fechava no quarto onde estava a máquina de escrever, era preciso guardar silêncio, e Frank ia para fora brincar. Na casa, além dos livros, havia uma grande colecção de discos, especialmente de música clássica.
Devil Take the Blue-tail Fly é uma história de música e de loucura. No início do livro, Ellen desperta no quarto do hospital psiquiátrico que foi o seu mundo durante dois anos (por vezes chegou a acreditar que o mundo lá fora não existia). As cortinas ásperas da janela, a estante com as partituras de Bach e Handel, Mozart e Haydn, as reproduções tiradas de revistas: um desenho de Picasso, uma rapariga de cabelo castanho-avermelhado de Renoir, um severo diagrama de Mondrian, uma máquina voadora de Leonardo. Mas hoje é um dia diferente. O dia em que vai para casa. Vai deixar a ordem do hospital e voltar ao caos. Basil, o marido, vem buscá-la. Ainda é muito cedo, ainda não são seis da manhã, mas por volta do meio-dia já estará em casa e poderá tocar. Cravo. O seu instrumento. O único que permite destilar a essência da música. Ela sentada a tocar, as notas de Bach, uma segurança que vem de uma ordem diferente da que encontrou no hospital.
Do Prefácio de Ana Teresa Pereira a Que o Diabo Leve a Mosca Azul de John Franklin Bardin

22.5.09

A Crítica dos Críticos I*

Helena Vasconcelos e a «Grande Literatura»
No Ípsilon de 30 de Abril, Helena Vasconcelos escreve sobre o Regresso do Soldado de Rebecca West, afirmando tratar-se de uma obra inscrita «no âmbito da literatura de guerra», sendo pioneira na abordagem «dos efeitos do “stress pós traumático”». Conclui, no entanto, que «não pode ser considerada “grande literatura”».
Helena Vasconcelos comete um duplo erro.
Dizer que O Regresso do Soldado é pioneira na abordagem do «stress pós traumático» é passar ao lado, é como dizer que O Coração Solitário Caçador de Carson McCullers inicia a «literatura dos deficientes», só porque os personagens, Singer e Antonópoulo, são dois jovens mudos.
A tensão dramática em O Regresso do Soldado tem a ver com a destruição das paixões adolescentes pelo tédio calculada da vida adulta. O trauma sofrido por Christopher nas trincheiras confere à narrativa uma dimensão de actualidade, mas é algo de instrumental – por exemplo em The Revolutionary Road de Richard Yates, a circunstância dessa ruptura dramática é a desistência de Frank Wheeler em partir para Paris com a mulher devido a uma promoção no emprego.
Por outro lado, a recusa de Helena Vasconcelos em considerar O Regresso do Soldado «grande literatura» não pretende ser uma abordagem teórica, no sentido em que se discutiu numa dada época se os ready-mades de Duchamp eram ou não obras de arte. Helena Vasconcelos dá razão aos críticos que acham que Rebecca West «escrevia demais, descurando, por vezes, a qualidade». É pena que Helena Vasconcelos, que enumera os amigos e amantes intelectuais de Rebecca West, não indique de que críticos se trata, nem aborde outras importantes obras de West, como The Birds Fall Down, Harriet Hume ou The Thinking Reed, dando exemplos de tal incúria.
Considero O Regresso do Soldado uma dessas raras novelas quase perfeitas e, sem querer usar o argumento de autoridade, devo dizer que sou acompanhado pelos críticos do El País que, no balanço do ano literário de 2008, a colocaram em primeiro lugar entre as dez melhores obras de ficção, injustamente esquecidas, publicadas em Espanha.
É uma novela breve que se caracteriza pelo despojamento da linguagem, a tensão narrativa e a subtileza das situações, personagens e desenlace. Desafiamos qualquer leitor a apontar uma frase em excesso.
O Regresso do Soldado tem uma perfeição comparável a Os Adeuses de Onetti, ao Falcão Peregrino de Glenway Wescott, à Balada do Café Triste de Carson McCullers, ao Golpe de Misericórdia de Marguerite Yourcenar, a Pedro Páramo de Juan Rulfo, a Um Copo de Cólerade Raduar Nassar, a Djamila de Aikmatov e a O Primeiro Amor de Turguéniev (entre nós podemos referir apenas, e a alguma distância, O Barão de Branquinho da Fonseca ou A Paixãode Almeida Faria).
Só não é caso para desejarmos que se aplique a Helena Vasconcelos a conhecida frase de Oscar Wilde («quando li o crítico odiei o livro, quando li o livro odiei o crítico»), porque se trata de alguém que, noutras ocasiões, tem divulgado a melhor literatura.

* A «crítica dos críticos» é algo que escasseia em Portugal, embora, claro, para um editor só tenha sentido quando se trata de autores que já não se podem defender.

Francisco Vale

BALANÇO E PERSPECTIVAS DA FEIRA DO LIVRO


A Feira do Livro de Lisboa correu bem para a RA e a maior parte dos editores.
Milhares de visitantes enfrentaram a chuva de sábado, dia 9, o anoitecer frio do parque, WCs impróprios e restaurantes improvisados, confirmando o misterioso poder de atracção dos livros. Como era previsível, a crise só deverá chegar ao sector no próximo ano.
Os novos pavilhões são mais funcionais para quem neles trabalha e mais agradáveis ao olhar dos visitantes. Mas como têm menos capacidade de exposição que os antigos, os editores tendem a privilegiar os livros mais vendáveis. Para que a Feira possa continuar a ser de fundos editoriais – e só assim tem sentido e evita a concorrência com as livrarias – o preço das inscrições deveria baixar de modo a que os expositores possam levar o número adequado de pavilhões.
A Leya teve mérito involuntário nesta mudança, já que com os seus novos pavilhões forçou a conservadora APEL a sacudir o pó da rotina. No entanto, o espaço Leya é para mim um ghetto onde só entrei para comprar O Homem Sem Qualidades, completar J. L. Borges e adquirir Stieg Larsson. Há nela demasiados livros de títulos dourados e gente fardada a condizer. É certo que a massificação dos autógrafos permite que se encontrem no mesmo espaço o Nobel da literatura português e o seu mais persistente candidato. Mas, por outro lado, é ali que se acotovelam escritores de primeira e de terceira numa amálgama que confunde leitores menos avisados – e há também um painel onde as 19 editoras adquiridas pelo grupo de Paes do Amaral são exibidas como troféus de caça.
Para "lavar" os olhos visitei logo a seguir a zona dos alfarrabistas, onde me foi possível encontrar o Livro II da História de Heródoto, que a Almedina deixou esgotar, e policiais a 2€, entre os quais O Enigma do Sapato Holandês de Ellery Queen, A Fera Tem de Morrer de Nicholas Blake ou O Barbeiro Cego de John Dickson Carr.
É também por achados como estes que vale a pena voltar à Feira.

Francisco Vale