«Começa assim:
“Queridíssimo pai,
Perguntaste-me, há pouco tempo, por que razão afirmo ter medo de ti”
Em duas linhas apenas, Frank Kafka oferece ao leitor o tema, o contexto e o tom do livro que escreveu em novembro de 1919. A data não é um pormenor: foi nesta altura que o seu noivado com Felice Bauer se dissolveu; Kafka atribuiu responsabilidades pelo fim da relação ao pai, que nunca aprovou a união.
Terá sido provavelmente este o gatilho para o autor escrever uma carta de 47 páginas a Hermann Kafka, que nunca chegou a ser enviada, mas postumamente publicada como livro com o nome “Carta ao Pai [Ed. Relógio D’Água]”. Nela se percebe a dinâmica desequilibrada da relação entre ambos: um filho numa busca angustiante pela validação paternal que nunca chegava; um pai para quem o filho nunca era suficientemente bom em nada do que fazia, nas escolhas que tomava, nos amigos que tinha.
Franz sentia-se humilhado, fraco e inútil, sobretudo assustado pelo poderoso homem que o criou e educou segundo os seus parâmetros, inclemente à introversão do filho. Segundo a descrição do escritor, Hermann era tudo o que o primeiro nunca foi: grande, pesado, opinativo, um homem confiante que se construiu do nada com uma auto-estima provavelmente inquebrável que exercia com narcisismo, autoritarismo, quase tirania. Para Franz, isto foi insuportável e deixou-lhe marcas profundas, buracos impreenchíveis na personalidade, fragilidades e inseguranças jamais resolvidas até ao final da vida.» [Pedro Candeias, Expresso, 23/3/2021. https://tinyurl.com/4dvs9936 ]
Carta ao Pai (trad. Maria Lin de Sousa Moniz) e outras obras de Franz Kafka estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/franz-kafka/
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