27.12.19

Sobre O Gesto Que Fazemos para Proteger a Cabeça, de Ana Margarida de Carvalho




«Não existem dúvidas quanto ao domínio da linguagem e à amplitude do uso de um vocabulário extremamente rico por parte de Ana Margarida de Carvalho. A sua escrita, sofisticada e complexa, torrencial e perturbadora é um veículo ideal para expressar o sentimento de que tudo se encontra sempre em aberto, vulnerável e despedaçado e de que as verdades absolutas e os valores inabaláveis são impotentes perante os vendavais da História e a crueldade dos homens. Esta autora tem dado provas sobejas da sua mestria ao utilizar uma mistura de registos da oralidade, de memórias de um país rural, da ficção, das citações que remetem para escritores como Agustina, Almeida Faria, Nuno Bragança e outros, numa espécie de “sinfonia” que confere uma qualidade sonora aos relatos, pontuados de forma a aniquilar o tempo e o espaço. Não é fácil penetrar no seu universo, alucinado e caótico, feito de frases suspensas, de pontuação surpreendente, de um imaginário feito de aparições e clarões, de voragens e arrebatamentos, de personagens solitárias, arrastadas pelo turbilhão dos acontecimentos. Se em Que Importa a Fúria do Mar nos remete para a tortura e sofrimento dos presos políticos no Tarrafal e se, em Não Se Pode Morar nos Olhos de Um Gato, coloca as suas personagens numa situação limite, à míngua numa escarpa depois de um naufrágio, em O Gesto Que Fazemos para Proteger a Cabeça faz do Alentejo o cenário apocalíptico onde ecoam os fuzilamentos e as refregas da Guerra Civil em Espanha e onde as personagens vagueiam, se cruzam e se desencontram num perpétuo e cruel castigo.» [Helena Vasconcelos, Ípsilon, 27/12/2019]

De Ana Margarida de Carvalho, a Relógio D’Água editou também Pequenos Delírios Domésticos.

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