31.8.15

Morreu Oliver Sacks (30/8/2015)





Foi uma morte anunciada, mas nem por isso menos chocante. Oliver Sacks faleceu ontem, dia 30 de Agosto, na sua casa em Greenwich Village, em Nova Iorque.
Já em Fevereiro no New York Times o neurologista anunciava ter uma doença grave e poucos meses de vida. Fazia um lúcido e comovedor balanço da sua vida e dos projectos com que tencionava despedir-se do mundo.




«Há um mês encontrava-me bem de saúde, ou mesmo francamente bem. Com os meus 81 anos, continuava a nadar 1,5 km todos os dias. Mas a minha sorte tinha um limite: pouco depois tomei conhecimento de que tinha metástases múltiplas no fígado. Há cerca de nove anos, descobriram-me no olho um tumor pouco frequente, um melanoma ocular. Apesar de a radição e o laser para remover o tumor terem acabado por me deixar cego desse olho, é muito raro que esse tumor se reproduza. Pois bem, eu pertenço aos desafortunados 2 % a quem isso acontece.
Dou graças por ter desfrutado de nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico inicial, mas chegou o momento de enfrentar de perto a morte. As metástases ocupam um terço do meu fígado, e, ainda que se possa atrasar o seu avanço, é um tipo de cancro que não pode ser detido.
Agora devo decidir como viver os meses que me restam. Tenho de os viver da maneira mais rica, intensa e produtiva que me for possível. Sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos preferidos, David Hume, que, ao saber-se mortalmente doente, aos 65 anos, escreveu uma breve autobiografia num único dia de Abril de 1776. Intitulou-a A Minha Própria Vida. (…)
Tive a imensa sorte de viver além dos 80 anos, e estes 15 anos que vivi a mais do que Hume foram tão prósperos no trabalho como no amor. Nesse tempo publiquei cinco livros e terminei uma autobiografia (bastante mais extensa do que as breves páginas de Hume), que será publicada na Primavera; e tenho mais alguns livros quase terminados. (…)
Nos últimos dias, pude ver a minha vida como se a observasse de muito alto, como uma espécie de paisagem, e com uma profunda sensação da ligação entre todas as suas partes. Isto não significa que dê por terminada a vida.
Pelo contrário, sinto-me intensamente vivo, e quero e desejo, no tempo que me resta, aprofundar as minhas amizades, despedir-me daqueles que amo, escrever mais, viajar se tiver força suficiente, alcançar novos níveis de compreensão e discernimento. (…)
Não posso fingir que não tenho medo. Mas o sentimento que prevalece em mim é a gratidão. Amei e fui amado, foi-me dado muito e dei algo em retribuição, li e viajei e pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial dos escritores e leitores.
Acima de tudo, tenho sido um ser sensível, um animal pensante, neste belo planeta, e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e uma aventura.»


 


Oliver Sacks escreveu, entre outras obras, O Homem Que Confundiu a Mulher com Um Chapéu, Despertares, Um Antropólogo em Marte, Perna para Que Te Quero, A Ilha sem Cor, O Tio Tungsténio, Musicofilia, Vejo Uma Voz, O Olhar da Mente, Diário de Oaxaca, Alucinações e Enxaqueca, todas elas publicadas em Portugal pela Relógio D’Água. Os seus livros foram premiados, nomeadamente com o Hawthornden Prize, o Polk Award, e recebeu uma Bolsa Guggenheim. Foi membro da Academia Americana de Artes e Letras. Exerceu neurologia e leccionou na Faculdade de Medicina da Universidade de Nova Iorque.





A Relógio D’Água vai editar em breve a sua autobiografia: Em Movimento — Uma Biografia.

28.8.15

Sobre Uma Conspiração de Estúpidos, de John Kennedy Toole





«O texto, que abunda em diálogos escandalosos não raro evocativos do jornalismo gonzo, é às vezes interrompido pelo diário de Reilly, bem como pelas cartas que lhe envia uma tal Myrna Minkoff. Beatnik e apologista da cura universal pelo orgasmo. Sátira, sim, mas sobretudo comédia, e talvez isso explique as reservas de Gottlieb [editor que recusou publicar este brilhante romance por achar que lhe faltava um propósito]. Mas é a comédia certa para a época degenerada que Reilly enfrenta.» [Luís M. Faria, E, Expresso, 15-8-2015]

27.8.15

Sobre As Ondas, de Virginia Woolf




«Com As Ondas (1931) Virginia Woolf radicalizou a aposta modernista da fragmentação narrativa. Embora o romance acompanhe a história de seis amigos, da infância à maturidade, as palavras importam tanto quanto as experiências, e as vozes sucedem-se sem uma clara demarcação, fazendo do texto um monólogo a seis, ou seis solilóquios unificados. (…) Em As Ondas, Woolf não recorre à linguagem poética e ao solilóquio para ligar diversas subjectividades a uma realidade externa; em vez disso, usa a realidade como pontuação de uma melancolia comum.» [Pedro Mexia, E, Expresso, 15-08-2015]

25.8.15

Sobre Clarice Lispector





«Lispector é uma figura icónica no Brasil, onde a sua obra é ensinada nas escolas e a sua persona se tornou majestosa. Uma judia ucraniana levada para o Brasil e que também passou muitos anos nos Estados Unidos e em Inglaterra, Lispector foi influenciada por elementos místicos do judaísmo mas também por se mover numa certa sociedade. Talvez por causa do ambiente patriarcal em que vivemos, Lispector é conhecida por escrever de modo impressionante sobre as vidas de mulheres de várias idades.

Mas, como muitos escritores estáveis, Lispector, que morreu em 1977, era mais do que uma só coisa, capaz de desempenhar mais do que um papel. A sua ficção contém multidões. Por exemplo, é frequentemente descrita como “classe média”, mas diabos me levem se não encontro nestes contos afinidades com Charles Bukowski ou Anton Tchékhov.» [Jeff VanderMeer, Slate Book Review, em crítica a Complete Stories, de Clarice Lispector, 2-8-2015]


21.8.15

Sobre O Separar das Águas e Outras Novelas, de Hélia Correia





«O Separar das Águas e Outras Novelas dá a ler (ou reler) o primeiro livro de Hélia Correia, a novela que dá título à recolha (1981), além de Villa Celeste (1985) e Soma (1987). Em qualquer uma destas ficções, sobressai a capacidade de aliar o cuidado da palavra à economia do dizer. A sua escrita oscila entre a modernidade em que a autora claramente se insere e o passado da tradição. O que é sensível numa linguagem isenta da pretensão de novidade, no que esta tem de fugaz e excessivo; como nos temas, tantas vezes procurados no mundo recolhido das pequenas comunidades. É o caso da novela O Separar das Águas, que descreve a localidade de Vilerma. Contudo, esse tipo de enquadramento permite, ainda, à escritora retratar, sem mimetismos excessivos, tensões sociais, epocais e de género. Neste caso, a jovem República, a persistência da memória do regime anterior, a (quase) omnipresença religiosa e as inevitáveis clivagens de uma sociedade fechada e calcificada na sua estratificação. A “novela ingénua” Villa Celeste deixa deliberadamente por resolver as tensões que habitam grande parte da obra de Hélia. Entre o introspectivo e o que se abre ao mundo, entre o naturalista e o maravilhoso, esta novela decide o seu lugar precisamente na fronteira. Talvez por isso possamos ler do “fim da história que não acaba aqui”. Porque esta ficção existe algures onde acaba o irreal e começa a realidade recriada na escrita. É o que sucede em Soma, onde planos opostos se interrogam e uma personagem (António) “lutara contra os dois mil anos anteriores”.» [Hugo Pinto Santos, Time Out, 12-08-2015]

19.8.15

A Planície, de Jhumpa Lahiri, na lista de livros de Verão de Obama



 
 

O romance A Planície, de Jhumpa Lahiri, é um dos seis livros que Barack Obama levou para ler nas férias, segundo foi divulgado pela Casa Branca.
A obra foi finalista do National Book Award e esteve na longlist do Baileys Women’s Prize for Fiction, tendo sido publicada pela Relógio D’Água em 2014.


A acção deste romance de Jhumpa Lahiri decorre entre a Índia e os EUA. É a história de dois irmãos ligados pela tragédia, de uma mulher brilhante perseguida pelo seu passado, de um país destruído pela revolução e de um amor que sobreviveu à morte.
Subhash e Udayan Mitra são irmãos inseparáveis. Vivem num bairro pobre em Calcutá, onde nasceram, e onde muitas vezes são confundidos pelos vizinhos, tal a sua semelhança.
Mas eles são bem diferentes.
Nos anos 60, Udayan junta-se ao movimento de Naxalbari, que luta contra a desigualdade e a pobreza, arriscando a própria vida.
Subhash, que não partilha a paixão política do irmão, parte em busca de uma carreira de investigação científica num tranquilo recanto dos EUA.
Mas quando Subhash descobre o que aconteceu ao irmão, regressa ao seu país de origem, na esperança de poder reconstruir a sua fragmentada família.

 

17.8.15

Hélia Correia na imprensa grega





Hélia Correia na imprensa grega, numa entrevista intitulada «A Filha de Antígona».

11.8.15

Sobre Um Homem Apaixonado, de Karl Ove Knausgård





No último número do ípsilon (07/08/2015), José Riço Direitinho escreve sobre Um Homem Apaixonado, o segundo volume de A Minha Luta, de Karl Ove Knausgård.
«Podemos sempre argumentar que nunca faltaram romances a “contar a vidinha” (supostamente interessante) do autor, mas o que se passa nos volumes de A Minha Luta (e sobretudo neste Um Homem Apaixonado) é muito mais do que isso: o “eu narrador” que se confunde com o “eu autoral” não se limita a enunciar e descrever factos, pensa-os e apresenta-os de uma forma tão singular que já não é a suposta vida do autor que interessa (ou a exposição de um método de procura de uma identidade a que se chega reconstruindo a memória), mas a vida do leitor, através de um processo de identificação com o que é narrado. Quando Knausgård conta, por exemplo, que a partir do momento em que passou a empurrar o carrinho de bebé as mulheres deixaram de olhar para ele, o narrador não está apenas a enunciar o facto mas a pensar a masculinidade e a discutir os papéis de género; quando fala de Dostoievski, não é o autor russo que está em causa, antes a prevalência do humano num mundo do século XIX abandonado por Deus e desde então radicalmente transformado: já não é o homem que deambula no mundo, é o mundo que deambula pelo homem; e quando as deambulações mudam de sentido, o resultado é sempre a falta de sentido… Esse sentido que Karl Ove Knausgård nos ajuda a procurar recuperando um tempo (o seu, biográfico) – e com isso nos reconstrói.»