«Foi uma paixão pela imagem, pelo quadro da "Ofélia", do [John Everett] Millais (1851-52). Uma grande paixão, um "coup de foudre". Essa imagem acompanhou-me sempre. E depois [continuou] durante a vida, sempre com a minha fortíssima anglofilia a dominar sobre a minha formação românica, francesa. Tem sido sempre assim e isso é uma coisa boa que me tem acontecido: como não é uma cultura académica, é sempre uma descoberta pessoal, não vai orientada por ninguém. Aos poucos, com todo o século XIX inglês, fui descobrindo a existência de personagens. Descobri que aquela figura se chamava Elizabeth Siddal.»
«A Lizzie é diferente porque - e aí já vamos ao coração da coisa - ela não é uma tela na qual o Gabriel [Rossetti] pinta, não é uma mulher-lua, nesse sentido de ser uma superfície plana. O que sinto que acontece é que, enquanto todas as outras mulheres foram escritas por esse ideal, ela foi o ser vivo que incarnava esse ideal sem que ninguém lhe inscrevesse nada. Até porque ela nunca se transformou, nunca se modificou nem para agradar, nem para desagradar. Surgiu como uma pintura viva, intocada pelos artistas. Não foram eles que a construíram, construiu-se sozinha segundo o ideal daqueles homens, e muito especial, segundo o ideal de Gabriel Rossetti.»
«[Lizzie] assustava. Assustava os homens. E com a sua parte de doente, frágil, e de desprotegida, enternecia as mulheres. O erotismo que emanava dela não era um erotismo directo, não era a carne que falava. Era de tal modo embrulhado em mito, o do cabelo vermelho, e inspirado pela distância, tão grande, que os homens, para entenderem, para continuarem a viver no mesmo meio, se consolavam em afirmar o oposto: que era frígida, que não era tão bela quanto isso, que era muito magra, antipática, mal-educada. É a reacção masculina a um feminino que é misterioso, e que tem uma coisa muito irritante para os homens: ela não quer saber deles. Há a típica mulher fatal que é a mulher misteriosa que emana um apelo de sereia, que, quando canta, canta para que o homem a ouça. Lizzie é completamente indiferente ao que pensem, ao que sintam os homens. Só lhe interessava a arte, o envolvimento poético e mítico daquela relação, e o Gabriel Rossetti.»
«[Lizzie] assustava. Assustava os homens. E com a sua parte de doente, frágil, e de desprotegida, enternecia as mulheres. O erotismo que emanava dela não era um erotismo directo, não era a carne que falava. Era de tal modo embrulhado em mito, o do cabelo vermelho, e inspirado pela distância, tão grande, que os homens, para entenderem, para continuarem a viver no mesmo meio, se consolavam em afirmar o oposto: que era frígida, que não era tão bela quanto isso, que era muito magra, antipática, mal-educada. É a reacção masculina a um feminino que é misterioso, e que tem uma coisa muito irritante para os homens: ela não quer saber deles. Há a típica mulher fatal que é a mulher misteriosa que emana um apelo de sereia, que, quando canta, canta para que o homem a ouça. Lizzie é completamente indiferente ao que pensem, ao que sintam os homens. Só lhe interessava a arte, o envolvimento poético e mítico daquela relação, e o Gabriel Rossetti.»
Da entrevista de Raquel Ribeiro a propósito do livro Adoecer. (Público, 24MAR)
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