8.4.10

Necrophilia, de Jaime Rocha, com prefácio de João Barrento





1.

A mulher caminha pelas urzes, no auge
do vento, já depois da morte, enovelada
pelos ramos que cortam a paisagem.
O homem está parado como uma ave
de pedra, batida pelo fumo. Depois, é o
corpo dela desfeito sobre os rochedos,
uma faísca que incendeia um pedaço
de madeira. O homem, amarrado a uma
mancha de ferro, contempla o corpo vazio.
Um pássaro cego cai em cima de um espelho.
É o rosto dele despedaçado, a dor.
Tudo é medonho à sua volta, a parte
de trás da luz, a humidade, a respiração
das plantas.






«A poesia de Jaime Rocha não vive nem da emoção, nem da conceptualidade abstracta, muito menos de qualquer piscar de olhos a experimentalismos de linguagem. É pura construção imagética, sem truques nem metáforas, uma sequência obsessiva de imagens nuas, em carne viva, angulosas e surpreendentes, para servir um universo de grandes percepções (e não mundos minimais e subjectivos, como acontece em grande parte da poesia que hoje se lê), num registo acentuadamente descritivo – no espaço (os cenários de cada acção ou a movimentação das figuras) e no tempo (o decurso do acontecer, os seus vários momentos e metamorfoses). Passando-se as coisas assim no plano da linguagem, esta poesia só podia ter um travejamento conceptual de tipo alegórico, em que o mundo se oferece ao olhar e por ele é interpretado.»
(Do Prefácio de João Barrento)


Jaime Rocha nasceu em 1949. Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa. Viveu em França nos últimos anos da ditadura. Publicou várias obras nos domínios da ficção, da poesia e do teatro. Com a edição de Necrophilia termina a sua Tetralogia da Assombração que inclui os livros Os Que Vão Morrer, 2000, Zona de Caça, 2002, e Lacrimatória, 2005, editados na Relógio D'Água.


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