12.8.25

Sobre «Jacarandá», de Gaël Faye

 

 

«No céu da infância de Gaël Faye (Bujumbura, 1982), os obuses cintilavam como estrelas cadentes — e até certa altura foi bonito de se ver. Depois, os mortos começaram a ser demasiados, e demasiado próximos.
Filho de um francês de Lyon “um pouco beatnik” que se metera a fazer uma volta ao mundo em bicicleta e de uma refugiada ruandesa nascida pouco antes da primeira vaga de violência interétnica e desde então internada em campos de refugiados, viveu um “coming of age” abrupto quando o genocídio dos tutsis no Ruanda começou a contar-se às centenas de milhares (800 mil é hoje o número oficial) e, logo a seguir, a transição de poder no Burundi degenerou em guerra civil.
Repatriado com a irmã para os arredores de Paris em 1995, encontrou na escrita — e no hip hop — maneira de exorcizar as dores do exílio, as angústias da adolescência e o silêncio intransponível da mãe. Um mestrado em Finanças e dois anos como consultor numa empresa da City de Londres iam-no perdendo, mas reencontrou-se. Primeiro como rapper (lançou Pili Pilo sur un Croissant au Beurre em 2013 e Lundi Méchant em 2021), depois como escritor.
Jacarandá, a sua estreia literária em Portugal, é na verdade o segundo romance de Gaël Faye. Sucede a Petit Pays (2016), que lhe valeu diversos prémios, vendeu para lá de um milhão de exemplares em França, foi traduzido em mais de 40 línguas e adaptado ao cinema e ao teatro (Gahugu Gato acaba de se estrear no Festival de Avignon). Finalista do Goncourt, vencedor do Renaudot, é o livro em que aborda esse país incrivelmente reerguido “das valas comuns e dos pesadelos incessantes”, onde hoje vive com a mulher e as filhas. Nele atravessa, com uma delicadeza que julgaríamos impossível, cem anos da história parcialmente autobiográfica, de um país armadilhado, explicitando até que ponto o racismo biológico introduzido pelos colonizadores amaldiçoou o Ruanda. Nele conta a história de um genocídio que entrou na sua vida, como na do protagonista de Jacarandá, pela televisão — e nunca saiu.»

Inês Nadais, Ípsilon, 2025/08/08

«Jacarandá», de Gaël Faye, está disponível em: https://www.relogiodagua.pt/produto/jacaranda/

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