17.6.24

De Rio Turvo, de Branquinho da Fonseca

 


«No Outono caem as folhas das árvores, o céu é cinzento e toda a Natureza vai adormecer, como dizem os poetas… Filipe da Maia não era poeta e sentia então uma melancolia e um cansaço interiores, que lhe davam aquela inquietação dolorosa. As tardes eram de luz suave e triste, caía uma chuva leve sobre a fofa poeira da rua, chuva que fazia um sussurro abafado nas folhas amarelas, e tudo se repassava duma tristeza irremediável. Filipe da Maia encostava‑se aos vidros da janela e via morrer as árvores. Mas sentia‑se sem raízes e parecia‑lhe que poderia salvar‑se se viajasse. Percorria‑o um arrepio e ia à pressa arranjar a mala, descia a escada, chamava um táxi e corria à estação, onde comprava bilhete para o primeiro comboio. E partia sem destino, como quem foge, sem se despedir de ninguém. Viajava, viajava, fugindo das cidades, vagabundeando por aldeias e montanhas. E só regressava na Primavera. Por fim, os amigos já lhe chamavam “Filipe de Maio”.» [De «O Involuntário», in «Rio Turvo», p. 131]


Rio Turvo e O Barão estão disponíveis em https://www.relogiodagua.pt/autor/branquinho-da-fonseca/

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