5.2.24

Sobre Anotação do Mal, de Jaime Rocha

 


«Morreram mais quatrocentas e vinte pessoas. O velho diz que ainda faltam duas mil e cinquenta e seis, mas eu acho que ele se engana nas contas.

Hoje quase não vi ninguém na rua. O asfalto surgiu com uma cor verde a todo o comprimento, não passou um único carro. Quatro homens vestidos com escafandros pulverizaram os passeios. Um deles, por um altifalante, avisava que um pó ainda não definido havia caído do céu, trazido pelos sapos. O que não disseram é que foram os próprios sapos que, ao rebentarem, empestaram a rua inteira. Mesmo assim a padaria não fechou. Três mulheres conseguiram esconder-se atrás das colunas e correr lá para dentro. O velho permaneceu sempre sentado, impassível. Os quatro homens nem deram por ele. Pensaram tratar-se de uma estátua.»


Um homem observa pela janela como a rua em que vive vai sendo ocupada pelo mal. Enquanto ensaia o seu próprio suicídio, vê o espectáculo da crueldade, da decadência, da destruição e da morte. Um outro homem, com a minúcia de um contabilista, faz o registo das pequenas catástrofes quotidianas.


Anotação do Mal e outras obras de Jaime Rocha estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/jaime-rocha/

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