3.4.20

Os Autores Respondem: Norberto Morais



Norberto Morais: «Tudo dependerá do tempo que o fenómeno durar»

A Relógio D’Água perguntou a alguns dos autores que publica que leituras estão a fazer e se são diferentes das habituais, que consequências poderá ter a actual pandemia nas relações individuais e na criação ensaística e literária, e ainda as suas consequências na ecologia e na política internacionais.
Publicamos em seguida essas respostas.

«— Não fiz nenhuma alteração nas leituras. E como tenho o “mau” hábito de ler muitos livros ao mesmo tempo, enumerarei apenas três, que me parecem interessantes para uma reflexão mais profunda sobre o homem e o seu papel no tempo: A Tragédia de um Povo, de Orlando Figes; Cartas a Lucílio, de Séneca, e Os Demónios, de Dostoievski. 

— Não se contrariam milhões de anos de comportamento gregário com uma pandemia. Está-nos no programa sermos sociais. Depende disso o nosso sucesso enquanto espécie. Poderá haver um pouco mais de desconfiança ao início, mas também um pouco mais de consciência social e de saúde pública. Por outro lado, creio que poderá ter um efeito humanizador e contrariar a dissipação social que vinha acontecendo desde o advento das redes sociais. 
Agora em termos literários e intelectuais, acho que é o caldeirão perfeito para a produção. Mas que, inevitavelmente, vai redundar em exageros comerciais, como todos os grandes fenómenos. Caber-nos-á (como sempre) separar o trigo do joio. 

— Tudo dependerá do tempo que o fenómeno durar. Se não for encontrada uma terapia eficaz nos próximos meses, esqueçamos o mundo como o conhecemos. Até porque depois da peste vem a fome e o caos social. É impossível prever com precisão o futuro, mas quanto mais durar a pandemia, quanto maiores forem as perdas humanas e económicas, mais violentas serão as consequências sociais e políticas. Os extremos não estão a dormir. Sabem não ser este o melhor tempo para atacar. Mas quando o tempo chegar, cavalgarão sem piedade todas as fragilidades dos governos: as respostas tíbias; o tempo perdido; a falta de eficácia que os Estados demonstraram, que poderiam ter mitigado a situação. Mas isso seria uma longa discussão. Temo que a dama da democracia esteja em xeque. Mas, como disse no início, dependerá muito do tempo que o fenómeno durar. E cabe-nos a nós fazer tudo, absolutamente tudo, para encurtá-lo. 
Em termos ecológicos já está a ter resultados. No caso de um prolongamento da pandemia, a produção e o consumo cairão descontroladamente. Tais quedas levarão, só por si, à diminuição dos índices de poluição e, creio, à necessidade de optimizar os recursos. Há, no meio disto tudo, um sem-número de correlações perversas que seriam interessantes de analisar, mas não temos tempo nem espaço para tal. Acredito que todas as coisas más, carregam no seio, também, coisas boas. É nessas que deveremos apostar todas as fichas que nos restarem depois de a tempestade passar.»

A Balada do Medo e O Pecado de Porto Negro de Norberto Morais estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/norberto-morais/

Os Demónios e outras obras de Fiódor Dostoievski estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/fiodor-dostoievski/

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