«E se, em geral, as memórias já são um espaço privilegiado para qualquer escritor exibir aquilo que de melhor tem no currículo, mais ainda o são para quem se dedica a analisar a psicologia humana. As confissões de Santo Agostinho não são apenas o relato completo da sua conversão; toda a passagem do mundo da retórica para o Cristianismo é um tratado sobre a estrutura do desejo. Da mesma forma, as Confissões de Rousseau são o ato de que o Emílio é a potência: o Bom Selvagem ganha forma no próprio Rousseau.
Com Jung o caso é semelhante: além de serem um registo interessante sobre a vida de um pensador de primeira, estas Memórias, Sonhos, Reflexões são um importantíssimo tratado prático de psicanálise. É certo que é interessante seguir o seu percurso na Suíça, de um rapazito pobre propenso a neuroses ao interesse pela metafísica, motivado pela teologia reformada e por Schopenhauer e Kant, ou das suas pequenas irritações com a atmosfera escolar ao estudo de medicina; mas estas memórias têm especial interesse por representarem a análise de quem analisa. Jung nunca perde o foco de analista, pelo que tudo na sua vida é analisado à luz de coisas muito maiores.» [Carlos Maria Bobone, Observador, 25/1/2020. Texto completo em https://observador.pt/2020/01/25/carl-jung-e-o-fascinio-das-boas-memorias/ ]
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