21.1.20

Ana Margarida de Carvalho em entrevista no JL, a propósito do romance «O Gesto Que Fazemos para Proteger a Cabeça»






«— Enquanto escritora, interessa-lhe olhar mais para quem ataca ou para quem se protege?
— Interessa-me a questão em si, o ataque e a defesa. Ou melhor: consegue o Homem, em circunstâncias desumanas, encontrar a sua Humanidade?

— Esse parece ser um tema central nos seus livros.
— E é. […]

— E neste?
— Porque estamos perante duas comunidades que de certa maneira se afrontam. Estamos nas imediações da Guerra civil Espanhola e da II Guerra Mundial. É um livro sobre a guerra em que não se dispara um tiro. No entanto, todos os seus ingredientes estão lá. Homens e mulheres em fuga e desalojados? Tem. Carnificinas? Tem. Populações desprovidas de tudo? Tem. Seres que traficam pessoas e se aproveitam d tudo? Tem. Parasitas da guerra? Tem. Violações? Tem. O romance é um pouco o elenco de todas estas coisas, como se estivéssemos ao lado da guerra a apanhar uma sucessão de danos colaterais.

— Dizer que estamos perante uma visão dos oprimidos da história é, portanto, um equívoco?
— Sim. Como disse, tanto me interessam os oprimidos como os opressores. Têm igual peso no livro. Mesmo os oprimidos do romance, os da aldeia, anteriormente desalojados, não são propriamente pessoas boazinhas, simples vítimas. Também se aproveitam da guerra e fazem as suas traficâncias. É a ambivalência que me seduz numa personagem, a sua bipolaridade, quando não se trata de multipolaridade. Estas personagens não são óbvias. Talvez haja uma dou duas mais generosas, mas são exceções. A que começa o romance a caminhar, por exemplo, tem toda as razões para se vingar, mas não consegue, não tem essa vocação.»
[Entrevista de Ricardo Duarte, JL, 15/1/2020]

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