21.5.19

Sobre Suíte e Fúria, de Rui Nunes




«A infância, aqui, não se deixa dourar pelos pós da nostalgia. Ela é (pode ser) uma “ameaça”, esconde uma violência secreta. Desconfia-se da nostalgia dos regressos, que herdamos da Odisseiade Homero, e, por isso, ao longo de Suíte e Fúria, com a evocação musical inscrita no título (presente já no livro anterior, Baixo Contínuo, de 2017), é como se ficasse no ar o desejo perverso de ver Ulisses a ceder ao cântico fatal das sereias, a perdição pela liberdade, recusando o ciclo fechado, harmonioso, de uma suposta unidade que o regresso a Ítaca representaria [.] […]
Pois, então, o que é isto? Uma escrita que é radicalmente uma ex-crita, que fere, que incomoda até com o silêncio e a imobilidade da luz. Não o faz com os excursos convencionalmente descritivos das boas e belas histórias, visto que “[d]escrever é petrificar” (p. 74). Pelo contrário, o trabalho está no ritmo sintático, nas farpas que se aguçam na leitura quando uma frase, à medida, que a lemos, de súbito se quebra, se interrompe, ficando a meio, macerada, sem indicação do rumo a seguir – e isto para “torna[r] pungentes as pequenas valências do corpo: a tosse, as dores, a febre” (p. 74). É um modo de escrever rente ao corpo, que torna a leitura suficientemente inquietante para que, no meio de tanto olhar a morte de frente (uma das obsessões do autor), o leitor se sinta radicalmente vivo.» [Diogo Martins, Sol, 8/11/2018. Texto completo aqui.]

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