8.6.18

Sobre Diários, de Virginia Woolf




«O que é que fica da leitura deste Diário? Admiração, compaixão, perplexidade, dúvidas, revolta, a descoberta dos passos de um processo criativo, a intimidade com alguém cuja genialidade se impõe, naturalmente. Como sombras, acompanhamos Virginia no seu mundo, tanto interior como exterior. Conhecemos as suas casas, o percurso dos seus passeios, a sua fé em Leonard, a cumplicidade com a irmã, Vanessa; as amizades literárias com Tom (T.S. Eliot) e Morgan (E. M. Forster), a intimidade com  Lytton Strachey — com quem pensou casar , apesar de ele ser homossexual — e com o cunhado, Clive Bell, o objecto de um flirt que desencadeou uma tempestade entre as duas irmãs; a rivalidade/inimizade /amizade com Katherine Mansfield, quase o seu alter ego; a paixão física por Vita que admirava pelos seus modos , as suas pernas de gazela, o à vontade aristocrático, embora não se coibisse de notar a sua fraca inteligência e mediocridade literária; o desprezo (e inveja) em relação a Joyce que ela não quis publicar na Hogarth Press; a sua feroz ironia  e o exercício da “má língua”, característica dos membros do Bloomsbury Group; as suas convicções socialistas, apoiadas por Leonard, em permanente confronto com o seu elitismo intelectual; a sua energia maníaca — a trabalhar na editora, a escrever sem parar, a proferir conferências, a viajar, a receber amigos — e as suas crises de depressão que a isolavam do mundo; a sua necessidade de se destacar e a sua paralisante timidez; o seu desejo de simplicidade e a atracção pelo fausto e pelos poderosos.
Este Diário é uma obra-prima que rivaliza com o de Samuel Pepys — que, na Inglaterra da Restauração, descreveu minuciosamente as convulsões sociais em larga escala e os detalhes comezinhos da sua vida doméstica — e com os de Rousseau, Chateaubriand, Stendhal, Thomas Hardy e Ruskin, que Virginia particularmente apreciava. Woolf revela-se, aqui, íntima e profundamente, ao longo dos anos, desde mulher ainda jovem — embora comece cedo a dizer-se velha — até esses fatídicos dias em que a sua mente perdeu amarras e desistiu de lutar... e de escrever.» [Helena Vasconcelos, ípsilon, Público, 8/6/18]

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