23.1.18

Sobre Deuses de Barro, de Agustina Bessa-Luís




«Conhecemos várias histórias de escritores precoces, que antes dos 25 anos já tinham escrito obras primas: Rimbaud, Clarice Lispector, Thomas Mann, Sá Carneiro. Não conhecíamos, até novembro passado, a precocidade de Agustina Bessa-Luís. Podemos conhecê-la agora com a publicação do seu primeiro romance Deuses de Barro, escrito aos 19 anos, no fim do verão de 1942 e abandonado na casa do Douro até ser redescoberto pela filha, Mónica Baldaque, já depois da escritora ter adoecido.
A publicação de inéditos que os autores não quiseram ou não puderam publicar quando podiam opinar sobre o assunto tornou-se bastante controversa, em parte porque a maioria destas são obras de juvenilia e não acrescentam nada de novo, a não ser aos académicos. Porém, nada disto se aplica a Deuses de Barro.
Porque este não é um livro de uma principiante, é a continuação de um começo que não sabemos nem saberemos jamais situar. Não é ainda a genial escritora de A Sibila. Mas ler Deuses de Barro e pensar que foi escrito por uma rapariga de 19 anos é de ficar tão atordoado como quando se lê Perto do Coração Selvagem, que Clarice Lispector também escreveu aos 19. Sobretudo se pensarmos que a escritora só andou no liceu até ao que seria hoje o 9º ano, não tinha entre os seus pares pessoas literatas, que nesses anos vivia numa casa no campo, rodeada de tias velhas e silenciosas, que praticamente não tinha amigos da mesma idade e tinha apenas uma grande biblioteca.
Foi assim, solitária, rodeada de livros, do pesado silêncio das casas no campo que começou uma espécie de diálogo com Deus e, intuindo ou sabendo já dos abismos do mundo, escreveu numa carta à sua mãe: “Há mil anos em cima de mim e novecentos e noventa e nove são de desilusão”.
Nos quatro anos que viveu no Douro, entre os 15 e os 19 anos, a escritora escreveu três romances: Ídolo de Barro, Água da Contradição e Deuses de Barro. “Os livros foram abandonados nessa casa, Agustina não se esqueceu deles, mas achou que os tinha perdido. “Há uns anos, quando vendemos a casa do Douro e a esvaziámos, encontrei lá várias coisas, entre elas estava Deuses de Barro e aquilo que acreditamos ser Agua da Contradição“, conta Mónica Baldaque ao Observador.» [Joana Emídio Marques, Observador, 21/1/2018]

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