4.7.16

Sobre Cinco Escritos Morais, de Umberto Eco




«“O fascismo eterno” é, de certa maneira, pela sua ambição, a “peça de resistência” desta coleção. Começou por ser uma conferência proferida em inglês nos Estados Unidos e foi publicado em letra impressa pela primeira vez num jornal literário americano sob o título aqui conservado – mas em Itália e noutras versões chamou-se ‘Totalitarismo fuzzy e Ur-fascismo’. O ur-fascismo deste ensaio não é “o fascismo imenso e rubro” da Alemanha Nacional-Socialista dos anos 30, que fascinou tantos corações juvenis e cegou até olhos tão límpidos como os do grande escritor francês Robert Brasillach. O regime nazi, para Eco, não foi um “fascismo”, foi um totalitarismo, como o comunismo. Eco não confunde “fascismo” e “totalitarismo”, nem “fascismo” e “ditadura”. Mas não quer limitar a sua definição de fascismo ao único “fascismo” histórico. O “fascismo eterno” é, para ele, uma nebulosa em que se acotovelam e se contradizem culto da tradição, rejeição do modernismo, medo da diferença, irracionalismo, a obsessão da conspiração, a “vida pela luta” em vez da “luta pela vida”, o paradoxo de um elitismo de massas, um culto do heroísmo “habitual” em que “o herói fascista aspira a morrer” (os bombistas suicidas do Daesh podem com qualquer utilidade ser considerados heróis “fascistas?”), etc., etc., mas de que também têm um ar de família o “populismo qualitativo da TV e da internet” – em que a resposta emotiva de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentado e aceite como a “voz do povo” – ou a tirania do “politicamente correcto”. Fascismo e fascista são termos que perderam qualquer rigor ou utilidade e se transformaram numa tautologia, numa fraqueza de expressão ou numa arma de arremesso retórica: tudo o que quem quer que seja considera politicamente nefasto é “fascismo” – tudo o que é “fascista” é criminoso.» [Miguel Freitas da Costa, Observador, 1-6-2016]

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