31.5.16

Maria Filomena Molder entrevistada pelo Expresso



[fotografia de Luís Barra]
 
No último número do suplemento E do Expresso, Luciana Leiderfarb entrevista Maria Filomena Molder.

«Numa conferência dizia que o leitor é aquele que relê. Que o “não entendo” é não reconhecer que “a opacidade encontrada é a matriz de onde se tem de partir para voltar a ler”. É assim?

E o maior engano é a empatia. A empatia é um instrumento de familiaridade imediata que pode impedir a compreensão. Sentimos tanto que aquilo é assim que não fazemos nenhuma análise. E a leitura inclui esse momento destrutivo da análise, a decomposição do que se tem. Enfrentar a opacidade implica destruir o texto.


Alberto Manguel contava que só conseguiu ler A Divina Comédia aos 60 anos, após muitas tentativas goradas. Quando é que se está pronto?

Tem que ver com esperar a boa ocasião. Tenho muitas experiências semelhantes a essa. Também não li Dante quando era nova.


Mas leu Nietzsche insistentemente, mesmo sem perceber. Continuava.

Li muito nova A Origem da Tragédia e Assim Falava Zaratustra. Era como provar um vinho estranho, uma comida desconhecida, que amargava a boca. Sem conseguir parar. Depois só o voltei a ler anos mais tarde. Em relação à Divina Comédia, já tinha 50 anos quando li a edição do Vasco Graça Moura. Fiquei absolutamente varada e não sei se teria conseguido lê-la mais nova. Não se sabe quando estamos prontos. Sei que estamos prontos para continuar e depois começar quando uma coisa nos toca. E isso não é empatia, é sentir que aquilo vai entrar na nossa vida. Por vezes, entrar num texto é entrar num descampado. Temos medo, mas continuamos.»


Na Relógio D’Água, Maria Filomena Molder tem editados Semear na Neve; Matérias Sensíveis, A Imperfeição da Filosofia; O Químico e o Alquimista — Benjamin, Leitor de Baudelaire; As Nuvens e o Vaso Sagrado.
O próximo título, Rebuçados Venezianos, sairá em Setembro.

«“Rebuçados Venezianos” é o título de um texto sobre a obra de Luísa Correia Pereira, uma pintora de quem fui amiga. E este texto é póstumo – ela não o pôde ler. Uma vez, a Luísa comprou em Murano uns rebuçados feitos de vidro e ofereceu alguns ao Jorge [Molder, o marido], que os fotografou para a série The Secret Agent. Entretanto, ela fez um pequeno óleo chamado Rebuçados Venezianos, que nós comprámos. É um nome que implicava uma série de nexos. É como uma discussão entre mim e ela – em que ela ganhou. Entre a arte e a filosofia, a arte ganha.»
[Expresso, E, 28/5/2016]

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