A Relógio D’Água acaba de lançar Mistérios de Lisboa de Camilo Castelo Branco, ao mesmo tempo que o filme do realizador chileno Raúl Ruiz, que adaptou o romance, é estreado nas salas de cinema, depois de ser premiado no Festival de San Sebastian e de obter o apoio entusiasmado da crítica.
Do Prefácio do realizador Raúl Ruiz:
«Do mesmo modo que outros ilustres antecessores, como “Os Mistérios de Paris” de E. Sue, “Sem Família”, “As Duas Pequenas Órfãs”, as suas personagens são vítimas, são exemplo, de vertiginosa mobilidade social do século romântico que inventou a estética do suicídio e os direitos de autor, o culto pelos cemitérios e ruínas e a revolução libertária; o culto pela Idade Média e a indústria. Tal como acontece com eles, os “Mistérios de Lisboa” entram e saem do sistema narrativo que Camilo propõe, as histórias, tal como neles acontece, embrenham¬‑se nos seus próprios meandros, contam¬‑nos factos incríveis. E não acredita neles. A tempestade de avatares composta pelos três romances nunca é seguida de bom tempo. (…)
Enquanto filmava os “Mistérios…”, pensei várias vezes em Lineu: um jardim é um campo de batalha. Toda a flor é monstruosa. Em câmara lenta, qualquer jardim é shakesperiano, etc.»
O romance Mistérios de Lisboa foi inicialmente publicado no diário portuense O Nacional a partir do seu número 52, de 4 de Março de 1853, tendo aparecido em livro em 1854. A obra teve um razoável êxito junto dos leitores. A terceira edição, sempre em três volumes, surgiu em 1861. Dois anos depois, Ernesto Biester adaptou o romance para teatro com o título A Penitência, tendo a peça sido levada ao palco do teatro D. Maria II.
Alexandre Cabral em Dicionário de Camilo Castelo Branco considera os Mistérios de Lisboa o “produto de uma imaginação truculenta e incontrolável”.
«Os enredos – múltiplos e diversificados – entrelaçam-se no conjunto dos 3 vols., sendo os seus protagonistas personagens estranhas que têm em comum a faculdade exótica de mudarem de nome com a mesma facilidade como quem muda de camisa. Assim, Pedro da Silva, conhecido por João, chamar-se-á também Álvaro de Oliveira; o «Come-Facas» usava os seguintes pseudónimos: Barba-Roixa, Leopoldo Saavedra, Tobias Navarro e Alberto Magalhães, e Sebastião de Melo faz-se passar pelo padre Dinis Ramalho e Sousa e duque de Cliton. Por outro lado, a vastidão do mundo (Portugal, França, Bélgica, Inglaterra, África, Japão e Brasil) é o cenário onde se desenrolam os conflitos ficcionais, marcados por vectores que perdurarão na novelística camiliana: a vingança, o anátema, o amor de mãe, a passionalidade, que se confunde com a ganância, a perversidade e a santidade. De permeio indícios vários de reminiscências biográficas do autor.»
Mais de 150 anos após a sua publicação original o livro “em que os pecadores podem ascender à virtude, e a virtude se conquista através de sofrimentos e lágrimas” é levado ao cinema pelo realizador Raúl Ruiz.
Acabei de ver o filme no Festival em São Paulo. É fantástico, mal posso esperar para ler o livro!
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