«Difícil de catalogar, clássico, delirante, “O Fim dos Estados Unidos da América” parte de um objecto reconhecível, os EUA enquanto mito fundador do século XX, e interroga a sua transformação. O que está em causa não é a geografia, mas o que resta quando um país que inventou uma narrativa totalizante perde a capacidade de se contar a si próprio. Território imaginário, laboratório de excessos que permite e potencia todos os excessos ou caricaturas linguísticas, lugar de múltiplas tensões (em dois pólos protagonizados por gente como Left Wing e Ted Trash, o ideólogo de esquerda e o populista de direita, mediados por Bloom, a que alguns chamam de salvador), num cenário de pré-guerra civil onde se fala a “língua dos que têm medo”.
Gonçalo M. Tavares chamou epopeia a este “O Fim dos Estados Unidos da América” para interrogar o próprio género num tempo distópico. Adaptou a linguagem aos preceitos de quem quer sobretudo narrar a falha: ela é ágil, terrena, inventiva, repetitiva para fazer ecoar slogans contemporâneos, lúdica, cirúrgica no modo como capta, por exemplo, o funcionamento dos mecanismos da crença. Por exemplo, como nasce uma ficção nacional e como ela se desfaz quando perde adesão à vida real. Quando isso acontece, o que implode não é apenas uma nação, mas a estrutura que sustentava a ideia de (se) estar do lado certo da História. “Nenhuma peste pode perturbar o país que nasceu para proteger os deuses”, pensa Jocasta, a ex-mulher de Laio, aqui personagem, quando pensa nos velhos EUA no tempo do God bless America, outro slogan a soar a vazio. […]
Se há um legado do escritor que este livro prolonga, é a capacidade de transformar a catástrofe num exercício de pensamento. Agora com notas leves e boa dose de humor, uma liberdade que contrasta com o mote do livro: uma dura crítica da qual sobressai a fragilidade das democracias. O espelho onde nos vemos é deformante, tem muito de grotesco. São mais de 900 páginas, um quase delírio, uma paródia, pos vezes negra.» [Entrevista a Gonçalo M. Tavares por Isabel Lucas, ípsilon, Público, 5/12/2025: https://www.publico.pt/2025/12/05/culturaipsilon/entrevista/goncalo-m-tavares-ate-pobres-ricos-continuarao-especie-unica-2156799]
O Fim dos Estados Unidos da América e outras obras de Gonçalo M. Tavares estão disponíveis em https://www.relogiodagua.pt/autor/goncalo-m-tavares/


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