5.12.25

Sobre Gonçalo M. Tavares e O Fim dos Estados Unidos da América

«Difícil de catalogar, clássico, delirante, “O Fim dos Estados Unidos da América” parte de um objecto reconhecível, os EUA enquanto mito fundador do século XX, e interroga a sua transformação. O que está em causa não é a geografia, mas o que resta quando um país que inventou uma narrativa totalizante perde a capacidade de se contar a si próprio. Território imaginário, laboratório de excessos que permite e potencia todos os excessos ou caricaturas linguísticas, lugar de múltiplas tensões (em dois pólos protagonizados por gente como Left Wing e Ted Trash, o ideólogo de esquerda e o populista de direita, mediados por Bloom, a que alguns chamam de salvador), num cenário de pré-guerra civil onde se fala a “língua dos que têm medo”.

Gonçalo M. Tavares chamou epopeia a este “O Fim dos Estados Unidos da América” para interrogar o próprio género num tempo distópico. Adaptou a linguagem aos preceitos de quem quer sobretudo narrar a falha: ela é ágil, terrena, inventiva, repetitiva para fazer ecoar slogans contemporâneos, lúdica, cirúrgica no modo como capta, por exemplo, o funcionamento dos mecanismos da crença. Por exemplo, como nasce uma ficção nacional e como ela se desfaz quando perde adesão à vida real. Quando isso acontece, o que implode não é apenas uma nação, mas a estrutura que sustentava a ideia de (se) estar do lado certo da História. “Nenhuma peste pode perturbar o país que nasceu para proteger os deuses”, pensa Jocasta, a ex-mulher de Laio, aqui personagem, quando pensa nos velhos EUA no tempo do God bless America, outro slogan a soar a vazio. […]

Se há um legado do escritor que este livro prolonga, é a capacidade de transformar a catástrofe num exercício de pensamento. Agora com notas leves e boa dose de humor, uma liberdade que contrasta com o mote do livro: uma dura crítica da qual sobressai a fragilidade das democracias. O espelho onde nos vemos é deformante, tem muito de grotesco. São mais de 900 páginas, um quase delírio, uma paródia, pos vezes negra.» [Entrevista a Gonçalo M. Tavares por Isabel Lucas, ípsilon, Público, 5/12/2025: https://www.publico.pt/2025/12/05/culturaipsilon/entrevista/goncalo-m-tavares-ate-pobres-ricos-continuarao-especie-unica-2156799]


O Fim dos Estados Unidos da América e outras obras de Gonçalo M. Tavares estão disponíveis em https://www.relogiodagua.pt/autor/goncalo-m-tavares/

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