«Há uma luta na cabeça da protagonista de Maternidade, um embate ambivalente feito de perguntas para as quais tenta obter respostas. Uma batalha obsessiva para chegar a uma decisão que envolve culpa, pressão do tempo e pressão social, expectativas alheias, procura de realização pessoal, liberdade. Uma guerra solitária com os fantasmas e sonhos que a visitam na vigília ou durante o sono. Nessa turbulência íntima, marcada por um policiamento social — quando o namorado de uma amiga diz: “Sendo uma mulher, não podes só dizer que não queres ter filhos. Tens de ter um plano ou uma ideia do que queres fazer em vez disso. E é melhor que seja algo grandioso” —mas também por uma espécie de luto face ao que se perde ao tomar o caminho contrário à vida dominante, há uma indagação filosófica, artística, amorosa, sexual, religiosa, mas sobretudo literária acerca de uma das maiores fontes de ansiedade para uma mulher: ter ou não ter um filho. Uma decisão que é o contrário de outra (não) decisão: deixar acontecer. Ser mãe não podia acontecer por isso, Essa é a única certeza da protagonista de Maternidade no momento em querer ou não ter um filho passa a ser uma obsessão. É preciso saber, não deixar para mais tarde, porque para uma mulher o tempo corre de maneira diferente.
“Eu vivia apenas no meu insensato e pardacento mundo mental, onde tentava racionalizar tudo e não chegava a qualquer conclusão. Queria ter tempo suficiente para construir uma mundividência, mas nunca havia tempo suficiente e, de qualquer modo, aqueles que possuíam uma mundividência pareciam tê‑la desde tenra idade, não a tinham começado a adquirir aos quarenta. Sabia que a literatura era a única coisa que se podia começar aos quarenta. […] Para tudo o resto eu era velha […].” [Isabel Lucas, ípsilon, Público, 10/2/2023: https://www.publico.pt/2023/02/10/culturaipsilon/noticia/nao-filhos-manifesto-culpa-sheila-heti-2038054]
Maternidade, de Sheila Heti (tradução de Valério Romão), está disponível em https://relogiodagua.pt/produto/maternidade-pre-venda/



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