«A história de Hans Castorp que vamos contar — não por sua causa (pois o leitor vai deparar nele com um jovem simples, embora cativante), mas por causa da história, que nos parece digna em alto grau de ser contada (embora deva lembrar‑se, para fazer jus a Hans Castorp, que se trata da sua história e que não é a qualquer um que acontece qualquer história): esta história aconteceu há muito, está, por assim dizer, já toda coberta por uma pátina histórica e tem absolutamente de ser contada na forma temporal do passado mais remoto.
Isso não seria uma desvantagem para uma história, mas sim uma vantagem: é que as histórias têm de ser passadas e poderia dizer‑se que quanto mais passadas, melhor para elas, na sua qualidade de histórias, e melhor para o narrador, o invocador sussurrante do imperfeito. Contudo, passa‑se com ela o que se passa hoje com as pessoas e, entre estas, não menos com os contadores de histórias: é muito mais velha do que os anos que tem, a sua idade avançada não pode calcular‑se em dias, os anos que sobre ela pesam não podem ser calculados em períodos solares; numa palavra: não é propriamente ao tempo que ela deve o grau do seu ser‑passado — uma afirmação com que se menciona e assinala de passagem a maneira como este elemento misterioso é questionável e tem uma natureza ambígua estranha.» [p. 17]
A Montanha Mágica (tradução, prefácio e notas de António Sousa Ribeiro) e outras obras de Thomas Mann estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/thomas-mann/
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