27.11.20

Peter Handke em entrevista

 



Peter Handke em entrevista a Isabel Lucas, por ocasião da sua passagem por Portugal, em participação no LEFFEST


«Isabel Lucas — Essa sensação, ou sentimento silencioso de que fala, aparece também em A A Ladra de Fruta. Quer explicar esse sentimento?

Peter Handke — Oh, isso! O momento mis elevado na vida é quando se consegue sentir o outro, a pessoa que temos à frente. Sobretudo os estranhos, acontece encontrar alguém e, por um momento, sabemos. Não está nos romances do século XIX. Nunca ninguém pensou em Dostoievski ou Melville por esse motivo, porque eles sabem tudo acerca do outro, mas às vezes eu não sei nada sobre os outros e há um instante, muito preciso, não com muita frequência, em que diante de um estranho sinto como que o princípio de um romance. Um início. Não é um dom só meu, mas foi-me dado. Acho que outro sentimento épico no trabalho hoje podemos fazê-lo como o fizeram no século XIX o grande Tolstoi, Flaubert ou Stendhal, o meu herói francês.

[…]

IL — Já ensaiou inúmeras situações dramáticas em mais de 80 títulos publicados, entre romances, contos, novelas, argumentos, peças de teatro, poesia, ensaio. A Ladra de Fruta é o seu nono romance. Como é que nasceu?

PH — A primeira ideia foi olhar os jovens de hoje. Vejo problemas dramáticos nos jovens de hoje. Vejo-os, sinto-os. Não apenas com a nossa filha. Há tantas perguntas que parecem sem resposta a esta geração. O que fazer hoje? Para onde ir?» Qual é o “me” lugar? Não estou a falar de mim, mas de muitos, muitos jovens. Este foi o começo.

IL — E temos um homem e uma mulher de gerações diferentes a viajar pelo interior de um país, França, o narrador idoso e a jovem Alexia que anda atrás da mãe. […] Ela é apresentada como uma espécie de Hamlet pela mãe.

PH — Sim por vezes temos de fazer essas pequenas brincadeiras. Essas pequenas coisas são muito importantes na escrita épica. Seguir e contar pequenas coisas que se passam ao lado no mesmo ritmo.

IL — Há um momento em que o narrador diz: “E agora não era eu que decidia, era a história.” É o momento em que passa a ser a história a criar-se a si mesma.

PH — é verdade. E esse é o momento mais bonito e também um dos mais dolorosos, o momento em que a imaginação começa a criar. Não é mais um documentário e passar a ser uma narrativa ficcional. Quando essa transformação se dá no romance é maravilhoso. [Peter Handke em entrevista a Isabel Lucas, ípsilon, Público, 27/11/2020]


A Ladra de Fruta (trad. Helena Topa) e outras obras de Peter Handke estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/peter-handke/


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