« 11 de Janeiro
A mãe, a bruxa, a amante, a filha pequenina.»
Mais tarde, muito mais tarde, Tom dir‐lhe‐ia:
«Estás cansada de ser tantas coisas para tantas pessoas...» Mas naquele momento olhava‐a com uma irritação mal dissimulada.
A mulher era muito bela. Os olhos cinzentos, frios, o cabelo louro‐escuro, preso na nuca. A saia estreita, os sapatos pretos, eram convencionais, mas a blusa tinha três botões abertos, o que deixava pressentir o começo dos seios pequenos.
Tom deixou o olhar prender‐se nos seios, nas pernas bem feitas. O rosto dela não se alterou, apenas o pé esquerdo balançou ligeiramente, num movimento cadenciado.
Uma estranha.
Uma mulher com quem não queria ter qualquer espécie de intimidade. A distância entre eles era enorme, sentados em frente um do outro, naquele quarto desconhecido.
Mais tarde, não conseguiria lembrar‐se de um tempo em que aquele quarto não fizera parte da sua vida. Teria a impressão de que esta decorrera, desde sempre, naqueles dois espaços: a casa (a sua, junto ao mar) e o compartimento com as paredes forradas de livros e as poltronas de couro castanho, a secretária com papéis acumulados, os cortinados brancos, as plantas na varanda.» [pp. 15-16]
Num Lugar Solitário é um dos primeiros livros de Ana Teresa Pereira, publicado em 1996. Foi reescrito pela autora para esta edição de 2012.
Esta e outras obras de Ana Teresa Pereira estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/ana-teresa-pereira/



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