«— Da Europa de Auschwitz à de Lampedusa, há razões para sermos mais pessimistas?
— Há. O que se passa na Europa é assustador. Depois de me reformar, aos 59 anos, passava o meu tempo na Áustria. Assisti à chegada dos primeiros refugiados à estação de Viena Westbahnhof. Entretanto, a estação que tinha um carácter sinistro foi modernizada. Parecia tirada de um filme sobre nazis. Vi os primeiros refugiados chegarem. Foram recebidos com simpatia. Havia crianças a oferecerem-lhes bolinhos, chocolates, brinquedos; havia vestuário para este e para aquele. Fora tudo muito bem organizado, à “alemã” ou à “austríaca”. Como tenho um olhar velho, não acreditei nesta primeira visão. A perspetiva dos próprios austríacos foi mudando à medida que começaram a chegar mais refugiados. Hoje, se acontece qualquer coisa de errado, a culpa é de um sírio, de um afegão ou de um turco. Depois surgem os mito e diz-se: “Quem foi assaltado?”, ninguém sabe dizer. A Europa está a fechar-se outra vez. A Europa foi-se fechando sobre si a partir do momento em que os refugiados começaram a chegar. Transformou-se naquilo que Hitler chamava a “fortaleza Europa”. Estamos na fortaleza Europa; e isso é horrível.
[…]
— Qual é o momento fundador da sua escrita?
— Está ligado aos meus dois avós: o materno, a que eu e a minha irmã chamávamos o avô do mar, porque era pescador, e o da terra, que era agricultor e oleiro. Foram eles que me mostraram como é que Deus criou o mundo, porque eles sabiam os nomes de todas as coisas. Eu perguntava: “Avô, o que é aquilo?”, e saía um nome. O meu avô do mar sabia o nome de todos os peixes. O meu avô da terra sabia o nome de todas as árvores. Além disso, o meu avô do mar também me ensinou a dimensão moral da escrita, da palavra e do silêncio que está atrás da palavra, através de uma situação impressionante. Foi o maior exemplo moral que tive.» [Rui Nunes, em entrevista a Cristina Margato, E, Expresso, 7/3/2020]
O Anjo Camponês e outras obras de Rui Nunes estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/rui-nunes/
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