A Relógio D’Água perguntou a alguns dos autores que publica que leituras estão a fazer e se são diferentes das habituais, que consequências poderá ter a actual pandemia nas relações individuais e na criação ensaística e literária, e ainda as suas consequências na ecologia e na política internacionais.
Publicamos em seguida essas respostas.
José Gil: «As relações individuais vão, e estão a mudar»
«Releio agora mais livros e artigos de que gosto particularmente. Neste momento estou a ler um belíssimo ensaio de Shigehisa Kuriyama, “The Expressiveness of the Body, and the Divergence of Greek and Chinese Medicine”, o poema épico de Patrick Quillier, “Voix éclatées (de 14 à 18)”, e “Um Quarto Só Para Si” de Virginia Woolf.
As relações individuais vão, e estão a mudar: relações do indivíduo com a colectividade, com o Estado e com a política. O que possivelmente ganhará uma grande importância será o modo como temas que pareciam ser da ordem privada, íntima, pessoal (como a amizade, o medo, a solidão, o amor, a morte) entrarão no espaço social, condicionando as escolhas económicas e políticas. Uma outra mentalidade colectiva desenhar-se-á, exigências que outrora se julgavam irrealistas e utópicas, parecerão evidentes e realizáveis. Por exemplo, a pandemia poderá provocar uma outra relação com a morte e, para já, impor a sua presença quotidiana (ela que tem sido cada vez mais apagada da vida social normal), o que pode mudar imensa coisa. Pode também provocar uma experiência de imprevisibilidade e de ruptura (no tempo individual e na história), fazendo desmoronar a crença em que vivemos na imortalidade dos grandes sistemas e instituições. E fazer nascer, e sobrepor-se a todas as outras, a imperiosa pulsão de sobrevivência. Claro, estas transformações encontrarão fortes oposições, e outros tipos de lutas desencadear-se-ão no plano político. Esta pandemia é a primeira catástrofe global que atinge todos os povos em “tempo real”. A segunda, será a das alterações climáticas, que colocará problemas muito semelhantes, com exigências talvez ainda mais fortes. O que decidirmos quanto ao destino da humanidade e da sua relação com a natureza ditará o futuro-presente que quisermos dar à técnica, à inteligência artificial, à tecnologia da informação, à economia capitalista e aos sistemas políticos.» [José Gil]
Caos e Ritmo e outras obras de José Gil estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/jose-gil/
Um Quarto só para Si e outras obras de Virginia Woolf estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/virginia-woolf/
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