28.2.20

Sobre A Visão das Plantas, de Djaimilia Pereira de Almeida




«Entre as qualidades superiores da prosa de Djaimilia Pereira de Almeida (distinguida em Dezembro passado com o Prémio Oceanos), a de figurar a vida fantasmática que acompanha os actos afectivos de um ser humano já era das que mais destacam a sua arte de narradora na ficção contemporânea. Mas nesta biografia imaginária do capitão Celestino, a própria escrita parece alterar-se, adensar-se, arriscar todos os limites para captar o segredo de uma vida criminosa absurdamente redimida (ou rasurada) pelo advento da jardinagem. Na atenção minuciosa que este livro há-de suscitar, algumas frases virão a ser sublinhadas, como por exemplo: “O sangue, da lascívia e da volúpia, a morte, em todas as suas declinações lúgubres, tudo tinha no quintal o seu duplo, na forma de cada planta, que, com mãos delicadas de mulher, tratava como pessoas” (p. 44). No rasto do mais tenebroso crime atribuído ao negreiro — o massacre de umas dezenas de africanos revoltosos asfixiados com pó de cal no porão do navio —, o jardineiro dedicado tira uma espécie de lucro biográfico na relação íntima com as plantas: “As plantas viam-no como um olho de vidro vê a passagem das nuvens. Elas e o seu amigo eram seiva da mesma seiva, da mesma carne sem dó nem piedade. Atrás das costelas, no lugar do coração, o corsário tinha uma planta.”
Todos os livros de Djaimilia Pereira de Almeida desafiam uma leitura filosófica, como aquela que aqui vai sugerindo tensão e cumplicidade entre o ético e o estético, enquanto nervo da narrativa.» [Gustavo Rubim, Público, ípsilon, 28/2/2020]


De Djaimilia Pereira de Almeida, a Relógio D’Água editou também «Pintado com o Pé». Ambos os livros estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/djaimilia-pereira-de-almeida/

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