20.12.19

Djaimilia Pereira de Almeida em entrevista ao JL a propósito do Prémio Oceanos e da edição de A Visão das Plantas





«— Voltou agora.
— Sim, E ao trocar o ensaio pela literatura também passei a olhar de maneira diferente para Os Pescadores e mais concretamente para a frase que está na origem de a Visão das Plantas. Na verdade, muito do meu fascínio por este livro vem desse excerto. É uma descrição, feita de paisagem, muito misteriosa.

— Cativou-a percurso de pirata a santo?
— Todo o parágrafo é literariamente prodigioso. Apresenta várias personagens, depois uma em particular, deixando em aberto a possibilidade de equacionarmos que nenhuma delas existiu.

— Por ser uma recordação de infância, como Raul Brandão sugere?
— Por ser tudo muito vago, sensação reforçada pelos termos usados na descrição. Este capitão Celestino teve uma vida de pirata, cometeu atrocidades e terminou a vida como um santo a cultivar o seu jardim. No fim, há aquela expressão marcante: “Sem uma dúvida na consciência tranquila.” Inicialmente, interessou.-me o caso moral, o do facínora que nunca se arrepende, não buscar absolvição, nem é castigado.

— Como mudou de abordagem?
— Ao cruzar-me com a fotografia da capa do livro, retirada do álbum American Prospects, de Joel Sternfeld. Capta, no Alasca, um homem cego no jardim que cultiva. Fiquei presa a essa imagem. Como se guia um cego no seu próprio jardim? Como consegue tratar das plantas?» De que maneira a dimensão olfativa o ajuda? Às voltas com estas perguntas, regressei à frase do Raul Brandão, mas com uma mudança. A minha atenção deslocou-se da moral, do homem sem castigo, para a construção do jardim, onde ele passa a reforma.» [Djaimilia Pereira de Almeida em entrevista a Luís Ricardo Duarte, JL, 18/12/2019]



De Djaimilia Pereira de Almeida, a Relógio D’Água editou também Pintado com o Pé. 

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