16.9.19

Sobre O Estendal e Outros Contos, de Jaime Rocha




«Nos livros de Jaime Rocha é como se a estranheza fosse um miolo, um conteúdo encoberto que desse forma e aparência à normalidade, mas que se rompesse através de qualquer junção demasiado frágil, como uma costura cediça. É assim que o desvio da norma, o maravilhoso e o inesperado surgem no tecido do habitual. Pense-se no quadro inicial do conto que dá nome a esta recolha de narrativas breves. Em “O Estendal”, uma mulher (apresentada sem mais designações, como em vários livros de Rocha) estende roupa em aparente normalidade, até que tudo se descompõe — “E, enquanto a ia tirando, pegava em pequenas bonecas que vinham escondidas no meio da roupa e lançava-as para longe, para uma espécie de mato onde estavam escondidos cães e ovelhas” (p. 11). Ainda que este seja apenas um assomo, que produz os seus efeitos residuais, ainda no arranque de tudo, já se sulcou o caminho para futuros desarranjos. Ao que não será alheio o mato que abriga ca~es e ovelhas, espaço pelo qual se poderá aceder ao desconhecido. O estendal, que comparece no título, acabará por exibir, pendurado nas suas cordas, o conjunto inconcebível de um grupo de recém-nascidos. É como se, na escrita de Jaime Rocha, a normalidade contivesse sempre um fundo mais verdadeiro, mas muito mais terrível, que a certa altura já não fosse possível conter. Esse núcleo constituiria algo como uma verdade oculta, por fim revelada.» [Hugo Pinto Santos, Público, ípsilon, 13/9/2019]


Esta e outras obras de Jaime Rocha estão disponíveis em https://relogiodagua.pt/autor/jaime-rocha/

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