«A Chama. Este foi o título escolhido pelo filho de Leonard Cohen, Adam, para reunir poemas, canções, desenhos, alguns versos dispersos, apontamentos em guardanapos de papel ou cadernos avulsos, dando origem a um volume que funciona como uma espécie de epitáfio, uma despedida do mundo das letras e da poesia que cruza a vida, através de um legado organizado segundo as indicações do próprio Cohen quem, contudo, não assistiu à publicação deste derradeiro volume, conforme seria, possivelmente, seu desejo. “Estou pronto para morrer”, dizia por alturas do seu disco derradeiro, You Want it Darker. Metódico, paciente, dedicado, empenhado, visionário.
Juntando textos inéditos e outros já publicados, A Chama, publicado em Portugal pela Relógio D’Água, evidencia um carácter confessional, não por uma exposição de intimidade que possa causar estranheza ou surpresa nos leitores que bem conhecem o universo onírico, espiritual e, simultaneamente, bem concreto e explícito em que se move a escrita deste “profeta do amor”, como já lhe chamaram. Antes porque a maioria destes textos não se coíbe da primeira pessoa do singular, assumindo a necessidade de viver por eles, e neles, transfigurando emoções, recordações, percepções, numa reinvenção da existência que tanto terá de espiritual como de relato nostálgico.
«Não há tempo para mudar/ O olhar para trás/ É demasiado tarde/ Meu doce livro // Demasiado tarde para/ Que os homens se envergonhem/ Daquilo que eles fazem/ Com chamas nuas// Demasiado tarde para/ Cair sobre a minha espada/ Nem sequer tenho espada/ Estamos em 2005// Como ouso preocupar-me/ Com o que tenho a fazer/ Ó doce livro/ Vens demasiado tarde// Não percebeste nada/ Da poesia/ É tudo sobre eles/ Não sobre mim».
Encontramos este trabalho divido em três partes. Primeiro, um conjunto de 63 poemas, recolhidos entre uma produção mantida inédita e escritos ao longo de décadas, permitindo aos garimpeiros do estilo procurar sistematizar traços evidentes de preocupações constantes, marcas de personalidade que se revelaram perenes e intrínsecas lao a lado com abordagens conjunturais que nas mãos de biógrafos minuciosos podem ganhar o alento de porta de entrada para caminhos ainda obscuros numa personalidade intensa e assumidamente exposta, como foi a atitude quase sempre mantida pelo autor de “Suzanne”.
Depois, como seria previsível, uma escolha de alguns poemas que se cristalizaram publicamente como letras de canções. «Assim como a névoa não deixa marcas/ Na colina verde-escura/ Também o meu corpo não deixa marcas/ Em ti, nunca vai deixar// O vento e o falcão têm o seu encontro/ E o que resta para guardar?/ Também tu e eu após o nosso encontro/ Nos vamos, depois dormimos// Assim como a noite consegue resistir/ Mesmo sem lua e sem estrelas/ Também vamos resistir/ Quando um de nós partir para longe».
A antologia completa-se com fragmentos dos seus inúmeros cadernos, preenchidos ao longo da(s) sua(s) vida(s). E desenhos, muito, muitos desenhos…» [João Morales, no blogue Bran Morrighan]
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