1.4.19

Sobre Na América, disse Jonathan, de Gonçalo M. Tavares




«Um dos romances póstumos de Franz Kafka ficou conhecido como “América”, embora o título original fosse “O Desaparecido”. E talvez ambos os títulos justifiquem que a peregrinação americana de Gonçalo M. Tavares se  assuma como um “projecto Kafka”, tarefa que consiste em ir fotografando o icónico escritor no meio das mais diversas e às vezes mais inóspitas paisagens americanas, como uma loja de conveniência ou um deserto. […]
Do Wyoming ao Dakota do Sul, Gonçalo M. Tavares parece manifestar um certo interesse pela “América profunda” ou esquecida, o que não impede que  livro seja uma abstracção mitológica, não um inquérito etnográfico. A mitologia americana é-nos muito familiar, e o viajante descreve e fotografa lugares com um estatuto especial na nossa imaginação, desde logo na imaginação cinéfila, de Venice Beach a Cabo Canaveral, de Los Angeles a Las Vegas. A América confunde-se com as imagens da América, imagens como as estradas infindáveis, como os grandes vazios. E o livro quer-se mais geografia física do que humana, uma geografia imaterial que nasce da materialidade das coisas e das nossas ideias acerca das coisas.

Se o autor viaja acompanhado de um tal Jonathan, logo entendemos que Jonathan não é ninguém, é um amigo imaginário, uma personagem, ou uma espécie de ciborgue, um “tu” utilitário com quem o viajante possa ir mantendo um diálogo, uma interacção. Em última análise, “Na América, disse Jonathan”, mais do que uma ficção ou um diário, é uma “performance”, um jogo ilustrado e humorístico que produz imagens tão inusitadas e cheias de possibilidades como a cabeça de Kafka dentro de um capacete de astronauta.» [Pedro Mexia, Expresso, E, 23/3/2019]

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