6.2.19

Sobre Clarice Lispector




Por ocasião da publicação de «Todas as Crónicas» e «Correio para Mulheres», de Clarice Lispector, Joana Emídio Marques escreve sobre «Clarice e Agustina: a arte da crónica subversiva».



«Foram contemporâneas. Clarice nasceu na Ucrânia, em 1920, Agustina em Vila Meã, em 1922. Filhas da Europa do pós-guerra, membros dessa geração de 20 que conta com tantas cabeças geniais ( Eduardo Lourenço, Mário Cesariny, Jorge de Sena, Sophia, Carlos de Oliveira, José Saramago) à literatura e à cultura de Língua Portuguesas. Vindas de dois mundos tão fechados quanto incomensuráveis como eram para os judeus pobres a Ucrânia pós revolução bolchevique e mais tarde o nordeste brasileiro ou a província nortenha do Portugal salazarista.
Dificilmente Lispector terá lido Bessa-Luís, mas esta última leu, com certeza, a escritora judia que trouxe para a literatura ecos de Kafka, Hermann Broch, Herman Hesse. Se Clarice era uma descendente dos judeus ashkenazi, Agustina é, como todos nós, descente de judeus sefarditas, mouros, berberes. Em comum: uma personalidade singular que espelhava uma inteligência e uma subversão muito particulares, o possuírem qualquer coisa de feiticeiras, magas, senhoras de um tempo antigo. E, em simultâneo, um prazer nas mundanidades que adornam o universo feminino: as roupas, a maquilhagem, a elegância, a má-língua, a astucia, a (auto) ironia.
[…]

Tanto para as crónicas de Agustina como de Clarice Lispector é preciso saber ler nas entrelinhas, perceber a ironia velada pois, nenhuma delas procura reduzir as zonas de incompreensibilidade da experiência humana (ou animal, também eles protagonistas de vários textos de CL) ou dos acontecimentos, pelo contrário, é sempre o menos visível que lhes interessa e é para lá que elas conduzem os leitores. Se hoje se espera das narrativas jornalísticas que apenas identifiquem, nomeiem, expliquem da forma mais racional e simplificada possível, revisitar ou descobrir as magnificas crónicas de Agustina e Clarice é perceber que o jornalismo pode e deve obrigar os leitores a construírem novas categorias de pensamento.» [Joana Emídio Marques, Observador,3/2/2019. Texto completo em https://observador.pt/2019/02/03/clarice-e-agustina-a-arte-da-cronica-subversiva/ ]

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