6.12.18

Joaquim Manuel Magalhães entrevistado por Joana Emídio Marques, a propósito do lançamento de «Para Comigo»




«— Escreveu “o poeta maior é aquele que, por um lado, enceta um diálogo com o passado deixando que em si se ouça a força da tradição, na memória e, por outro lado, sabe desligar-se da convenção, da tradição indo além do que já foi feito numa cultura”. Quem são os seus poetas maiores?
— Há poetas maiores entre os quais escolheria certos poetas trovadorescos e, no domínio estrito do português, um ou outro no Cancioneiro de Resende: podem ter escrito somente um poema excelente que a literatura não os esquecerá. Houve António Ferreira e houve Camões. A seguir ao humanismo e ao maneirismo não encontro nenhum poeta. Há muitos, mas eu não tenho o gosto ajustado a eles, o que pode ser, sem dúvida, uma injustiça, daquelas que o gosto prega. Só o venho a encontrar em Cesário, em Pessanha, em Pessoa e em Sá-Carneiro. A seguir ainda não sei, ainda não houve tempo para a distância capaz de compreender e sedimentar. Mas há alguns que, sem eu ter dúvidas, me parecem grandes ou a caminho disso. No século XX tivemos muito bons poetas e também já nestes inícios do século XXI. Mas terão todos de esperar um pouco mais. Não me levem a mal.
(…)
— Mas tornou-se uma poesia muito mais difícil. Desnorteia-nos, deixa-nos sem chão. Usa maioritariamente palavras que desconhecemos, palavras antigas cujo significado já ninguém lembra.
— Nunca fui um poeta de grande público. De qualquer forma até pode acontecer que se atenue essa estranheza e alguém surja que já se habitou a esta nova toada. Mas não me tornei um escritor hermético. Está lá tudo às escâncaras. Só não repito o que digo. Todas essas palavras remetem para a minha infância. Quando era muito criança saía de casa da minha avó, ia brincar para a rua de terra batida, fazia uns buracos e depois deitava água e fazia umas bolinhas. Ia fazendo, fazendo até ter dez bolinhas. Enquanto eu brincava as mulheres, os rapazes passavam por mim e aquelas conversas, aquelas palavras entrecortadas que eu apanhava permanecem em mim até hoje. Podem ser um tanto arrevesadas, mas nunca o foram para mim.»

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