2.7.18

Sobre Karen, de Ana Teresa Pereira




Ana Teresa Pereira na imprensa brasileira

Na sequência da obtenção do Prémio Oceanos pelo seu romance Karen, surgiram na imprensa vários artigos e entrevistas sobre Ana Teresa Pereira.

«• Todos temos um traje cotidiano e um traje de baile quando o assunto é dizer de quem somos? De que maneira a inveja pelas habilidades humanas que não desenvolvemos pode se tornar uma potência?
Tão importante como a identidade, é a atracção pela metamorfose. Uma das ideias iniciais de Karen era a existência de duas realidades. O desafio era que as duas fossem impossíveis. Se a narradora é Karen, por que motivo o cão não a reconhece? Se ela é uma pintora que vive em Londres, como é que não sabe desenhar? Talvez a noite em que está mais próxima de si mesma, em que quase atinge a unidade, seja aquela em que usa o vestido vermelho. A ideia de que há outras possibilidades, de que podemos ser outras pessoas, não deixa de ser fascinante. Como um actor que procura as partes de si mesmo que correspondem à personagem que quer interpretar (mesmo o fascista ou o santo, diria Orson Welles); como tocar teclas de um piano que tínhamos ignorado até então.» [Entrevista a Andressa Barichello, «Rascunho», Maio 2018]

«Consistência
Vencido o percalço inicial e aberto o livro, o leitor vai se deparar com a objetividade de quem sabe o que quer e para onde vai desde a primeira linha. Nada de experimentalismos nem de prefácios ou de outras filigranas que só retardam a entrada no principal. Depois da breve epígrafe de W. G. Sebald, o romance abre direto e firme no primeiro capítulo para seguir numa estrutura de capítulos curtos cuja simetria garante um mesmo ritmo até o final (é interessante observar que muitos autores, no afã da busca pelo original, acabam perdendo a noção de que simetria, objetividade, assepsia quanto a aspectos gráficos são detalhes que deixam a leitura mais confortável; se o objetivo for inquietar o leitor, nada rouba a primazia da força do texto sobre qualquer outro artifício). O máximo de subversão a que se permite a autora é uma abertura in finis res, com uma surpresa formal no último capítulo que não se vai aqui antecipar. Em todo o resto, a sobriedade veterana de quem sabe que é sempre melhor investir na consistência do conteúdo do que na decoração da fachada.» [Luiz Paulo Faccioli, «Rascunho», Maio 2018]


«Talvez a expectativa do leitor nas primeiras linhas do romance seja a de encontrar, nas páginas seguintes, uma revelação, a solução de um mistério. A insegurança quanto à lucidez ou à credibilidade do ponto de vista da personagem narradora parecem despertar a procura por respostas mais “confiáveis”. Essa procura, todavia, logo é substituída pelo gesto de, agarrados à sua lógica e capacidade de encadear acontecimentos, andarmos de braços dados com uma mulher capaz de fazer de suas interrogações as nossas. A incerteza produzida pelo intrincado dos acontecimentos no livro solicita do leitor certo despojo quanto ao racional, permitindo-se também ele deixar-se guiar pela intuição ao acompanhar os dias da personagem dentro de uma residência isolada, com ares aristocráticos, um dos cenários principais de ambientação da narrativa.
A certo ponto, a casa – e a mulher – podem ser lidos como uma fotografia, uma memória, um pesadelo, uma fuga, um cômodo, um ateliê; qualquer morada [ou herança] paralela dentro da qual é difícil precisar a identidade não só de um, mas de todos os personagens.
Ler Karen é estar diante de um romance onde o que vale é o que é contado, pois tanto o que é narrativa quanto o que é escassez dialogam com a capacidade de se entregar e com o desejo de resistir que movem o curso das águas, da vida.» [Lucas Verzola, «Revista Lavoura», 28/05/2018]

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