14.5.18

Sobre A Ciência das Sombras, de Bernardo Pinto de Almeida




«Na verdade, para o poeta de A Noite, a poesia tem um sentido ainda, não é um canto emudecido. Como refere numa entrevista recente a Luís Caetano, na Antena 2, BPA acredita que a palavra poética, se não pode salvar ninguém, não está ao serviço do mal ou da indigência. É, no limite, uma escrita contra a pobreza de um mundo que perdeu a magia o que ao lermos estes poemas se nos impõe. Viver pela poesia o que não se viveu nunca, projectar ficções, eis o que Bernardo Pinto de Almeida, seja através da quadra, ou cultivando o poema longo, o dístico ou a décima, edifica: uma voz heteróclita, estranha, em debate consigo mesma. 
É certo que BPA sabe bem quanto a pobreza da realidade é o assunto do poema, mas a sua estesia não lhe permite que, mesmo quando irónico, o mundo descambe (o mundo poético, claro) para territórios de onde a palavra não se eleva. Como escreve num dos mais belos poemas inéditos, que comparecem sob o título “O gato Iluminado”, dir-se-ia que no autor de A Ciência das Sombras, o poema encerra um saber oculto e antigo, esse que diz respeito às iluminações urgentes que Rimbaud quis ver ao exaltar a alquimia do verbo como alquimia da vida. Em “Segundo poema de Setembro” aquela criança que atravessa a tarde lentamente é um símbolo: é ainda a suprema ficção que líamos em Negócios em Ítaca, livro de 2011, ou um outro modo de dizer que o mundo é a única ilha a que a poesia pode aportar, como sugere Eduardo Lourenço no prefácio que abre esta belíssima edição.» [António Carlos Cortez, JL, 6/5/18]

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