21.11.17

Em memória de Alberto Luís





O advogado Alberto Luís faleceu no passado dia 12 de Novembro no Porto. Era casado com Agustina Bessa-Luís, sendo, conjuntamente, com Mónica Baldaque, responsável pela edição das obras de Agustina Bessa-Luís. Pôde apenas acompanhar o início desse projecto em que se empenhou com comovedora dedicação.
Publicamos a seguir um fragmento do texto que a neta Lourença Baldaque escreveu em sua memória.

Francisco Vale

«Em memória do meu avô Alberto Luís (1922-2017)

Alberto Luís, advogado de profissão e meu avô materno, foi certamente um dos homens mais inteligentes e letrados que eu alguma vez conheci. De humor mordaz tinha sempre uma resposta, e sabia sempre onde procurar o mais ínfimo pormenor e explicação sobre qualquer assunto. “O avô deve saber” era uma daquelas frases que se repetia com frequência no núcleo familiar.  
Da minha parte, foi um convívio de 38 anos com este único avô que eu conheci. Casado com a escritora Agustina Bessa-Luís, minha avó, desde 1945, e com quem desenvolveu uma parceria tanto na vida como no trabalho, numa esfera muito própria onde não se habita apenas e só por sucessão. É preciso conquistar um lugar.
Nesta esfera paira o ónus da resistência, do rigor, da justeza das palavras que – muito importante – formam ideias, conduzem a um pensamento, revelam um parecer. E até as trivialidades são rapidamente avaliadas à luz da complexa teia dos comportamentos humanos. Em suma, o clima que foi criado naquela casa provém da alma, da sabedoria, do sentido do combate e da capacidade para o riso.


As discussões sobre livros e autores, sobre textos ou apenas excertos que conduziam a outros livros e a outros autores, foi sempre muito mais do que um estilo de vida: é verdadeiramente a essência que ali se sente e se respira. Neste contexto, o primeiro autor que me veio à memória foi o de Joseph Brodsky (1940-1996). Há tempos o meu avô emprestou-me um livro deste poeta, tradutor e ensaísta russo que admirava. Disse-me para ficar com ele em casa, para o ir lendo, e sugeriu-me interessar-me pela vida do autor. E foi o que eu fiz. E não foi difícil perceber o encanto de Joseph Brodsky, tanto na poesia como na obra que me emprestou que reúne alguns dos seus ensaios: Menos que uno (Versal, 1987), Less than one na versão original de 1986. 
O que o meu avô queria era que eu soubesse que Brodsky manifesta uma irreverência e uma profunda independência que faziam parte do seu espírito; ninguém o ensinara a ser daquele modo e não doutro. Desde logo, Brodsky decidiu aos quinze anos “protagonizar uma melodramática saída” (Brodsky, 1987) de uma sala de aula para nunca mais voltar. Decidiu que a partir daquele dia seria um auto-didacta. 
(…)
Esta é uma apenas uma pequena parte da romanesca história de vida deste poeta. Por que me lembrei dela? Talvez pelo conhecimento de vida que o meu avô nos quis transmitir: o de procurar viver num registo tão livre e consciente quanto possível; e de que as vidas comportam, todas elas, uma vertente aventureira e polémica.   
Quando casou tinha o meu avô 23 anos e a minha avó 22 anos de idade. Agustina era aspirante a escritora, Alberto Luís seria ainda aluno de Direito em Coimbra. Construíram um caminho em conjunto, sem sentimentos opressivos em relação às vocações de ambos, e sem nunca ter pedido à minha avó para se tornar numa outra mulher, num tempo em que as mulheres ainda precisavam de um impulso maior do que a vida para se afirmarem nas suas reais vocações. Nestas circunstâncias, haverá maior sentido de emancipação, maior estima do que esta? 
O meu avô faleceu no passado domingo, dia 12 de novembro, aos 95 anos de idade, na sua casa do Porto. Trabalhou, leu e escreveu até ao seu último dia.»


[Imagem: Pormenor do jardim dos avós de Lourença Baldaque, Porto]

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